sábado, 18 de julho de 2009

... can you fix me?...

From the lying mirror to the movement of stars
Everybody's looking for who they are
Those who know don't have the words to tell
And the ones with the words don't know too well

Could be the famine
Could be the feast
Could be the pusher
Could be the priest
Always ourselves we love the least
That's the burden of the angel/beast

Birds of paradise -- birds of prey
Here tomorrow, gone today
Cross my forehead, cross my palm
Don't cross me or I'll do you harm

(...)

We go crying, we come laughing
Never understand the time we're passing
Kill for money, die for love
Whatever was God thinking of?



[Burden of the Angel Beast, by Bruce Cockburn]

Cheiro de rosas, couro novo e maquiagem. O vulto curvelíneo dela o fisgava, dissipando-se e reafirmando-se num ritmo delirante de acordo com o esvoaçar das sedas ao vento. Passou a língua contra os caninos. Tinha um sorriso ruim, de lobo. Ocultou-o num semblante vazio e engoliu. Das duas passadas, só se ouvia a dela estralando a areia sob o salto.

Local: uma ramificação dos laboratórios pertencentes a ShinraCorp. Um amontoado de pavilhões, tubulações e gente armada. Mas ela passeava ali como se estivesse num shopping center... E ele... seguia.

Seu cão. A tatuagem com código de barras, letras e números contrastava de forma surreal sobre a pele dele, branca, de um tom caiado como a porcelana em que ela bebia seu chá importado com creme e limão. Os dois vultos se moviam na mesma sincronia - peixes do mesmo cardume.

Subitamente a jovem morena travou suas pernas longas. O olhar dele saltou por todos os lados e os tímpanos se afinaram, aumentando a sensibilidade de sua audição superumana. Sob seu terno com aparência de bem cortado - mais um disfarce daquele ente negro e disforme que lhe era irmão - seus dedos roçaram de leve no coldre. O coração dela parecia em sofrimento, lia isso na forma como o sangue borbulhava nas artérias de sua missão. Mas não achava nada nos arredores que justificasse - então, o que ela sabia que ele não?

Ajoelhou-se, suave, um choro preso, o rosto voltado para o chão e seu vestido abriu-se como uma flor nascente. Os braços dele pinicaram, tensionaram-se. Parecia que exigiam que a abraçasse. Era uma idéia estúpida e completamente irreal, fora de sua patente e de seu decoro como militar: - Srta Lunia, posso chamar seu carro?
- Tem regenerador com você? - pediu-lhe numa voz trêmula e outra vez ele teve uma injeção de adrenalina.
- Está ferida?

Nas mãos dela, um punhado de penas. Lágrimas formando contas num colar cristalino contornando as feições.
- Por favor?...

O frasco rebrilhou, artificial e extravagante a luz do sol coruscante. A fórmula enriquecida lançou uma luz violeta contra as duas mãos que se tocaram num instante fugaz. O pequeno olho mal mantinha-se aberto, pálpebras pesavam. Uma figura retorcida, cujo vértice da asa, pobremente intacto, dobrava-se apontando ao azul. Era como se a pequena ave erguesse dedos culpando o Céu.

Achara, por uma absurda probablilidade, um anjo?...




[The Slave with a Key - parte 7]

terça-feira, 14 de julho de 2009

... coelhinhos rosa...



Imagine all the people
living life in peace
uhu-uhuuu...

[Imagine, by John Lennon]


Tem coelhinhos rosas no meu papel higiênico... Semi-acordada, fiquei olhando aquilo e finalmente me perguntei : porquê? É só um pedaço de celulose para sujar e atirar na lixeira...

Mas eu sempre o escolho na prateleira do mercado...

Sempre gostei de coisas bobinhas... E agora, procuro-as ainda mais... Quero cercar meu filho de carinho, de cuidado e alegria, mesmo que isso fique restrito a pequenos gestos, tolices... Penso agora, com um tanto de raiva pela impotência e angústia, que gostaria mesmo é de pintar sobre esse Mundo. Refazer tudo... de modo que cada coisa, cada detalhe fôsse tão bom quanto um sonho meigo...

Queria poder oferecer a ele um Mundo diferente - um Mundo encantado, cheio de maravilhas, onde pessoas são realmente puras e heróicas, e onde os vilões são facilmente identificados e tem sempre o que merecem... Onde crianças podem brincar. Onde todos podem viver felizes para sempre...

Gostaria de estar nessa realidade, em que só pela minha vontade, pudesse arrancar do peito dos que amo tudo o que lhes aflige e os deturpa... Que eles pudessem sorrir mais. Que fôsse claro como uma estrela-guia o caminho para que atingissem seus sonhos mais brilhantes...

Um Mundo que fôsse justo e digno... Limpo... Belo... Cheio de música, árvores e céu ensolarado... Pandorgas... Dentes de leão no vento... Gatos pretos nos muros... Príncipes e princesas... Um lar...

Eu aqui, no frio dessa madrugada, queria te dizer que torço por ti, e que estou contigo... mesmo não podendo simplesmente te dizer o que fazer, porque nem sequer eu tenho certeza, nem podendo iluminar aquilo que te tem sombreado...

Seria tão bom, com o som da minha voz, espantar teus fantasmas...

domingo, 5 de julho de 2009

... é depois que perdemos que...


Fôra uma semana tensa de rastreamento e infiltração cuidadosa até chegar ao líder rebelde e o centro de seu núcleo terrorista. Suas armas eram básicas, mas haviam se precavido fusionando a elas o poder das materias. Gostara do desafio, terminando a chacina com satisfação. Coletara paralelamente um bom número de objetos resgatando-os para as mãos da poderosa ShinRa Corp.

Neste instante, porém, sentia-se insuportavelmente entediado. Os olhos se prendiam ao teto branco, onde cores e luzes brincavam, refletidas do monitor esquizofrênico, que lhe dava as últimas notícias, entre elas o seu sucesso. Entre suas coxas, a nova criada pessoal parecia acreditar que o arrasava de prazer, com sua felação molhada e barulhenta.

Jamais pensara antes que voltar para sua gaiola de concreto e aço poderia vir a ser ainda pior... A cada vez que era chamado, tinha mais vontade de que sua missão o tragasse por um período infinito de tempo. O mais longo possível.

A música tocando era a mesma. O ambiente, igual. A comida, esta era diferente - mas tudo bem, ele se acostumara. Havia aquela bela garota, que não parecia em nada com sua primeira. Era obediente, como a outra jamais aprendera a ser. E calada, a não ser no sexo, como agora, quando disparava obscenidades. Sexo, sim, havia muito disso...

Impaciente, jogou-a de lado e levantou-se. Focou-a por um átimo, e lá estava aquela feição submissa e profissional. Nenhuma indignação. Sem questioná-lo. Ou odiá-lo.

Ao passar pelas prateleiras, suspendeu o passo, sentindo uma fisgada incomum no peito. Virou-se, admirando com curiosidade mórbida o pequeno objeto que o ferira.

Uma frágil estátua de gueixa retribuia seu olhar com insolente doçura.

E ele quase sentiu-se em casa...


[The Slave with a Key - parte 6]

... minha fera [amada]...



It's a long walk back to reality,
She puts another brick in the wall of shame she made so long ago
Trying to figure out where things went wrong
Searching through all the lies she told
Somehow she missed out on all the things that she needed most
Days spent wondering why this
Life is so cold and nothing ever changes

Screaming for attention,
Watch the sun steal yesterday
Hiding all emotion far away

Trying to find his self confidence,
Another broken heart behind the painless smile that he shows
Reminded that yesterday is so far gone
And tomorrow is still a miracle
Somehow he missed out on all the things he needed
most days spent wondering why this life is so cruel and
Nothing ever changes


[Waiting for Yesterday, by 12 Stones]


Sua música favorita ventava pelo alojamento sem janelas, como um baú. Alta e espirituosa - como deviam ser seus movimentos na batalha. O cheiro pungente de especiarias, carne e frutas recém-cortadas lhe abrira o apetite. Sentado em frente à mesa baixa, fartava-se, animado com a refeição quente - tanto como qualquer simples animal saciando uma necessidade básica. Comia feito um miserável, sem modos, os olhos quase se fechando a cada bocada.

Ela sorria em segredo e enchia uma vez mais seu copo com saquê amornado. Tinha orgulho por jamais tê-lo visto bêbado. Fitou-o de cima a baixo: era um guerreiro, rude, forte e determinado. Talvez ele jamais fôsse entender o que tentava lhe mostrar. Mas era perigoso dizer-lhe explicitamente. Há pouco não havia lhe testado? Algo o teria impedido de cortá-la em dois se ela tivesse ousado lhe dizer "sim"?

Ao mesmo tempo, um lado dela queria crer em outras coisas... Seria só uma esperança? Fruto de alguma fantasia tola, restante de sua tenra infância, das belas histórias que escutara?... Essa dúvida que a cutucava teria mesmo fundamento?...

As pregas da roupa dele rearrumaram-se em novos padrões quando subitamente ergueu-se. Um farfalhar como de asas. Congelada pela agilidade dos movimentos dele, foi seqüestrada sem opor-se. Enrolada em suas mangas longas e lustrosas, embalada com a suavidade de um anjo. Acolheu-a em seu colo, descendo ao tatame como se fôsse nuvem e não homem. Assim surpreendida e maravilhada, deixou-se solta, semi-reclinada sobre seu braço direito, uma boneca perfeita e palpitante. E seu dono encarou-a.

Tinha calafrios sempre que os olhos dele a penetravam tanto. Suas feições eram ferozes demais, em especial os olhos, tão parecidos com os de uma fera: aquelas órbitas escuras, as íris brilhantes demais, luas fluorescentes, e as pupilas, fendidas...

... Akuma!... era a palavra que vinha a sua mente, num tremor, todas as vezes.

Os dedos dele, como garras de falcão, longos e fortes, as unhas como esporas longas, foices, percorreram o rosto quase plano dela. As bordas de cada olho, amendoado e pequeno. Depois vagaram lentamente entre os fios negros dos cabelos lisos dela, dedilhando alguma canção proibida. Parecia hipnotizado. Não era a primeira vez que fazia isso...

Sim... como entender essa contradição? O uniforme negro e assustador - ele não o transformara neste quimono? Por que?... E com que alma tinha ele rebordado a veste com tanta maestria, com uma delicadeza de formas e cores que enuviava sua mente sugestionável? As flores no tecido sedoso... a neve que se derrete... os passarinhos de olhos vivos e penas coloridas... O que poderia mover um monstro como aquele, criado para assassinar sob ordens, a se vestir assim?... A tocá-la com tanta reverência?... A colecionar aqueles vinis somente por seu som, em melodias tão dramáticas, acordes que gritavam com emoção?...

Rolou os olhos marejados para reencontrar os dele. Ele estreitou as sobrancelhas de pêlos arrepiados. Enigmas. Esconderia ele pensamentos que não missões e prazeres bestiais? Seria capaz de sentir e apreciar?
- Me sirva. - ordenou-a.



[The Slave with a Key - parte 5]