domingo, 25 de outubro de 2009

... na noite veludosa...




Fazia frio... Não era um frio como o da neve por vir... Era um frio suave e triste, calor que ia se perdendo, descabelando pêlos pelo braço e coxas... Agora, ansiando por um gole negro e quente que varresse de si o latejar desses pequenos queixumes, ela relembrava... Teria sido diferente se houvesse insistido em ir um dia antes?...

Seria o timing?... Talvez ela fôsse má, má como não se compreendia. Karma?...

Havia tido a louca idéia (só a classificava como louca agora) de que aquilo era tudo que poderia querer, afinal um só dia para revê-lo... Era tão pouco, por uma semana inteira de faltas e lacunas, vontades que jamais podiam ser satisfeitas... vácuos...

Tivera diálogos sobre pessoas outras... Fumaça... Um pouquinho de atenção... Algumas risadas. Entre uma escovadela e outra nos dentes, pensava aonde fora parar toda aquela confusão de sempre. Talvez tivesse esquecido, naquele instante, que ele mesmo já lhe contara que não vinha se sentindo em boa ordem. Talvez esperasse (novamente demais) que isso mudasse pela sua simples presença...

Fato é que ela não era como o Sol nascendo, que pela proximidade clareia as trevas e desfaz a Noite, tornando a Lua disco opaco que voltará a desaparecer no horizonte, cada vez mais insignificante...

Não, realmente, não era. Ficou observando-se no espelho, por um breve momento, pois sentia-se completamente idiota e teve medo de ver isso explicitamente em seu rosto, ou em sua imagem, repentinamente, agarrar-lhe pelo pescoço e escurraçar-lhe. Imaginou mesmo que ele a convidara para vir? Hm...

Ainda tinha a madrugada pela frente, podia contar com isso? Um pouco disso? Ajeitou-se, pensava que o pijama curto tinha sido demais. Encabulou-se, mas jamais gostou dessa sensação, então varreu-a de si e voltou para ele...

Tsc... Como você é tola, menina... Bem que te avisei, hm? Creia unicamente na crueza do impulso, e não no lirismo de tua imaginação. Não funciona assim. Já teve chances, eu passei por ti em cada uma delas, você me negou expressão... Hoje, não se atormente, nada será preciso decidir, hm? Tsc... veja... hoje eu não sussurrarei comandos libidinosos prá ti, para que não me escutes... veja...

No quarto escuro, os olhos dela captaram a falta de espaço para aquele seu fantasioso bate-papo...
Ah... que saudades do que não tivera... a semana terminara muito próxima de como se iniciara... e algumas perdas se acumularam...Dormir, nada além, sob o véu veludoso de uma pesada noite.

A Lua vencera... bela e pungente, como um punhal pendente entre estrelas enuveadas...


Never be lonely
never be lonely again...
Waiting for this love
To bring me close to you!

[Reasons, by Bush]

terça-feira, 20 de outubro de 2009

... o lugar que buscamos...

Lar não é um espaço físico. É uma sensação forte, que pacifica a alma. Pois aquele instante, é seu retorno. Completa. Segura. Enternecida pela beleza dos seus e de cada pequena coisa. Reunida.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

... filhote...



Pode alguém querer algo mais gentil que esse olhar?...
Ser mais amado que nessa adoração muda?...
Mais confortável que em sua companhia?...

Filhos... viciamos em tê-los no centro de nós mesmas
Nove meses de sussurros, sangue repartido, duos...
E certo dia somos inexplicavelmente dois
Repartidos pelo ar, pelas mãos, pelas distâncias...
Ganhamos um rosto para nosso amor, mãos para serem beijadas
Arfamos na dor da perda da ligação mais íntima e perfeita que tivemos...

Minha cria tão amada...
Te vejo crescer...
Descascar para o nunca mais
As idades tuas de que hoje choro de saudade...
Sonhamos junto sobre o teu amanhã, medo e esparança
Enquanto nossos dedos e olhares se enlaçam para dizer sem palavras:

- Ainda estamos aqui, ainda unidos, nosso amor puro e forte, nos conforta dia-a-dia
Não há colo mais apertado que teu ventre ou teu coração, mas há a beleza da generosidade
De me deixar criar minhas veredas por este Mundo e espalhar minha alma como o Sol para todos...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

... sobre um chaveiro, uma fera e um fantasma...


Um pequeno mundo... Respirações flutuantes... Um céu artificial de pensamentos turbulentos na escuridão... Raias de luz... Outros mundos, lá fora... Outros mundos, em cada um, aqui dentro... Separações que dóem, no presente. Do passado, coisas findas que insistem em voltar. Mas quem abre as portas e tenta dialogar com elas, hm?... Será que você, guardião das chaves... pode me dizer... num sussurro?...

Ela está aí... por você...
Deitas a fera de veludo longe, desta vez... Não penses que ela não percebe... E a outra... você a traz e a coloca em local privilegiado... tão próximo ao seu coração... Aos sentidos da fera, pouca coisa escapa... Há grilhões farpados ao seu redor... creia... a pequena fera pode vê-los... farejá-los subindo de sua mente... E eis que se ergue e te interpela, essa pequenina, quase inofensiva. Chaveiro, há nesse turvo, malte denso de tuas íris, na pupila que fere, um convite feito por ela mesma, portanto é em vão que tentas apartar teus olhos dos passos macios da tua visitante... Ela reconhece ali, apesar da intensidade dos avisos, uma paisagem que lhe convém... Que lindas estrelas em teus olhos e quanto de profundo é o lago de teus sentimentos... A floresta de teus sonhos, mesmo sombrios, e os cheios de música também... A pradaria do teu peito... E os sinos brilhantes do teu riso... Surpreso?... Não... não houve mal algum... nem medo que não fôsse o medo de pisar cedo demais na seda da tua alma... e lá aninhar-se com fúria e propriedade... antes que tu pudesses de bom grado aceitá-la...

Sim... a fera também não o quis... agora... mesmo que tenha se visto tentada... ela sabe aguardar...

Não há problema em sentir-se mal... em sentir falta... até mesmo em sentir culpa... Está tudo bem... Essa que está ao teu lado, em carne, e segura-lhe a ponta dos dedos frios... veio com intento de ficar - mesmo que tu andes pelos vales da solidão - envolta no amor que cultiva por ti... te segue... Ainda que tu desprezes andar de mãos dadas... e queira ir só com este fantasma que convocas... Ela não desistirá de ti... Tu dizes ao vento: "eles é que me abandonam" mas esse coração rubi que te persegue, retruca: "tu me aplica a política do distanciamento gradual... já vi isso, por outros olhos... não... dessa vez eu estou preparada... não, desta vez tu terás que dizer com todas as letras, se quiseres que eu me vá"...

Tu pensas proteger ao negar... Tu pensas cumprir tua pena ao sofrer... Tu pensas um dia ouvir o perdão se perderes tudo em nome de igualar-te a outra que tudo perdeu... É isso mesmo que queres, chaveiro?... O que deixará aqueles que ficam, por ti?... Em nome do que o fazes? E se tu estiver profanando o descanso dessa alma... formando de memórias e mágoas esse espectro emulado... E se esse alguém já te disse "adeus" e te perdoou na linha branca, soleira do intangível, e se foi?... Por que colocas tanta maldade em um véu de finitude, hm?...

Ah... te digo, chaveiro: a única dor dela é saber o quanto te demoras a romper aqueles grilhões.. Por que? - te perguntas... Veja... A benção maior, tu a tens... O ar, em teus pulmões... Há campos se florindo ao teu redor... e o Sol nasce para ti, te chamando manhãzinha... e o que há de doce, está na palma de tua mão, ao alcance dos teus lábios... Que tal abrir a porta do amanhã, ao invés da de ontem?... Talvez não haja mais o que buscar lá, entendes?... O tempo nos leva e só o que temos é o hoje e a preparação do que colheremos, então plante hoje teu caráter, faça hoje teu gesto de amor, reveja de hoje tuas atitudes, cativa hoje teus amigos... Não te enganes... Não mexemos no passado - eu já tentei...

Dobras de tempo... Silêncio... Palavras que vão e voltam, sibilando ternamente, equilibradas num tênue bailar de cordas vocais sufocadas... Palavras em resposta onde queria-se somente... confiança... e aceitação... há quantas luas?... Palavras... navegando vazias dessa praia até tua rebentação, chaveiro... e ela, que escreve em areia macia, sabe, não se importa, não se deixa enganar... tu as lê... e se preferes retirar-te, ao invés de nadar em sua direção... ou mandar a ela garrafa cheia só de letras tuas para ela saciar a sede, ela perdoa... e com a mesma dedicação... volta a caminhar, em paralelo... sem odiar-te... ou esquecer-te...

A pequena fera se deixa dormir... e acordar... se deixa abandonar... e voltar ao teu colo... se deixa caçar a comida pro seu dia vasto e silente... e seguir teu rastro ainda quente... ela sabe o que tem... e o que deseja ter... e mesmo que não a alimentes... descobrirá o quão persistente... essa pequena fera é...


I know that life ain't always good to you.
I've seen exactly what it's put you through
Thrown you around and turned you upside down and so you
You got to thinking there was no way out
You started sinking and it pulled you down
It may be tough you've to get back up
Because you know that life ain't over yet
I'm here for you so don't forget
You can count on me
Cause' I will carry you till you
carry on

Anytime you need someone
Somebody strong to lean on
Well you can count on me
To hold you till the healing is done
And every time you fall apart
Well you can hide here in my arms
And you can count on me
To hold you till that feeling is gone

I wonder why nobody's waiting on you
I'd like to be the one to pull you through your darkest times
I'd love to be the light that finds you
I see a silver lining on your cloud
I'll pick you up whenever you fall down
Just take my hand and I will help you stand

Because you know that life ain't over yet
I'm here for you so don't forget
You can count on me
Cause' I will carry you till you carry on
Anytime you need someone
Somebody strong to lean on
Well you can count on me to hold you till the healing is done
And every time you fall apart you can hide here in my arms
And you can count on me to hold you till that feeling is
Gone so you can live today
Seems so long to yesterday
Keep on counting on me to carry you till you carry on
Carry on

You know that life ain't over yet
I'm here for you so don't forget
You can count on me cause I will carry you till you carry on

Anytime you need someone
Somebody strong to lean on
Well you can count on me to hold you till that healing is done
And every time you fall apart
You can hide here in my arms
And you can count on me to hold you till that feeling is gone
Remember life ain't over yet
I'm here for you so don't forget
That you can count on me to hold you till that feeling is gone
Remember life ain't over yet
I'm here for you so don't forget
That you can count on me to hold you till that feeling is gone.

[Count on me, by Default]

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

... subtextos a um simulacro...



Holy roller
It's your reality

I've seen the people that they've branded
They always come out open handed
(...)
Open your eyes
Push yourself inside
Contemplate all of your senses
Tell them what you want to lose
They'll just spit in your face
Push you back in your place
Concentrate all of your answers
Tell them what you think you know

(...)

Holy roller, it's your reality
Are you tied down and in locks?
Held up and face fact
Holy roller, it's your reality
Can you taste this, the spaces?
Erase the sexes
Have you seen what's inside your mind?
Have you been fucking your own kind?
Have you been writing on the wall?
Have you seen anything at all?

(...)

Under the sun
Under your self
Under the sightings of your side
Under your cross
Under the gun
Under the meaning of your life


[Occam's Razor, by 30 seconds to Mars]


Ela o tinha trazido... Agora, nesse instante, ele se perguntava, novamente, por que?...

O prédio tinha segurança reforçada... Seus próprios semelhantes... Mais o pessoal da ShinRa, de outras equipes... Detalhes de luxo... Elevadores com senhas para descer aos andares secretos... O charme acabava ali... Instalações com cheiro de formol, nitrogênio líquido e vidros estéreis... Odiava aquele lugar... Por que?...

Ela ia à frente, e ele buscou conter as ondas de náuseas ocupando-se de olhar seu traseiro rebolar provocativamente sob o vestido fino de seda. Era uma distração e tanto... O tendão do pulso direito saltou, retesado. Chamava combate. Onde?... Os olhos amarelados - ainda eram dois - deslizaram longamente, quase imperceptivelmente, vasculhando o espaço sem falhas... sem marcas... sem cores... só luzes fluorescentes, dissecativas, cegando... Piscou, notou que o suor descia pela inserção de sua orelha e lhe provocava um calafrio ao passar do pescoço à clavícula ossuda. Ela voltou-se por um segundo e encarou-o: - Ash?

Por que esse nome inventado?... Franziu a testa. Não gostava dessa aproximação. Não queria ser mais tentado do que já era. Tinha um código, um número, como todos os demais. Tinha uma reputação sob esse número. Orgulhava-se do seu desempenho como CANNIBAL, então por que diabos esse codinome estúpido inventado por um capricho dessa pequena e linda fêmea, lasciva, glamurosa, indecifrável, frágil e intocável?... Os lábios se espremeram e por fim, sem conter-se mais: - Às suas ordens, Srta. Lunia.
- Que bobagem... Já te disse que não gosto desses protocolos... Não entre nós. - virou-se e inseriu o cartão na fechadura eletrônica, digitou a senha, apoiou o dedo no painel luminoso. Houve um momento de silêncio e o bufar pesado dos pistões recolhendo as travas e depois movendo as pesadas portas blindadas. - Preciso falar com meu pai, e ele está se escondendo aqui, há dias... Então... Me desculpe por te trazer aqui.
- É meu trabalho, Srta. Lunia.
- Estúpido.

As pupilas fendaram-se e se puxaram a outro alvo, esquadrinhando o interior sussurrante de máquinas, canos e vozes contidas, fora do alcance de suas vistas, depois outra vez o corredor. Sua nuca arrepiou-se quando seus passos o levaram a segui-la para dentro. A porta expeliu vapores e deglutiu-os. Teve vontade de explodi-la e correr para fora, com toda agilidade que aguentasse. Focou-se na garota, outra vez. "Por que o medo?"

Ela se esgueirou sem pudor algum, deixou monitores para trás... provetas para trás... jaulas para trás... cientistas em branco com suas planilhas nervosas para trás... Computadores faiscantes com o rodar frenético de seus processadores, de seus discos rígidos, os terabytes, e aquele homem, debruçado sobre algum problema empírico, ou o que fôsse, amarelado, recurvo e autista... A mão dela, como uma borboleta, pairando de encontro àquele ombro: - Pai...?

O homem empertigou-se, quase num pulo, arrumou longe do rosto os cabelos desgrenhados, e seus olhos castanhos esbugalhados naquela face desvairada, alienada, paranóica, a escrutinavam. Até que pareceu reconhecê-la e houve um brilho de culpa, uma dor meteórica, um calar de tudo e a expressão, ainda que menos preocupante, da face envelhecida tornou-se sóbria e controlada... Uma chapa de aço: - Lunia, o que veio fazer aqui? - e num segundo instante de reconhecimento, uma fugaz contração de susto, o odor de medo, então de excitação e o sangue todo, a turbilhonar audivelmente pelo peito de panos brancos: - Trouxe seu segurança... Como está, P.A. número 7?
- Operante e atento, senhor.
- Que irritante! - repreendeu-o, e pisou-lhe na bota com o salto.
- ...
- Lunia, não quero esse comportamento. Já falamos sobre isso...
- Que bom que o senhor lembra que um dia conversamos... Não lê mais suas mensagens?!! Vim aqui para falar contigo, já que parece que o mundo, pelo senhor, poderia acabar, desde que essa merda de laboratório continuasse de pé!

Uma pontada, em algum canto baixo do cérebro. Um gosto acre na boca. Remexeu-se. Desconfortável. Olhou ao redor, dando privacidade à reunião de família que prosseguia às suas costas. O cheiro... O arrepio voltou, mais forte, tomou todo seu corpo. Deu-se conta que os dedos haviam gelado.
- Não posso falar disso com ele por aqui. - a frase do velho lhe pinçou a atenção, mas não moveu-se.
- Quero que desative tudo, dessa vez.
- Oras... não diga bobagens... você é uma mocinha... o que pensa que sabe sobre isso?
- Mais do que suporto!
- Quer que eu lhe ajude com isso?

Algo rompera-se, girou lentamente, leu nos olhos dela a decepção, o pavor, o asco: - Nunca me proponha isso. Nunca mais! Jamais, ouviu?!
- Não grite.
- No que você se tornou, pai??? Que diabos de pergunta foi aquela para ele? É o Ash!

O apelido, atirado contra o doutor, parecia ter bem mais força que uma bofetada. O rosto do homem empalideceu. Balbuciou alguma coisa, sem articulação. Encarou o jovem sem conseguir sustentar o olhar e puxou-a às pressas, aos solavancos, meio que cambaleando. Óbvio que Sete foi com eles: - Você não! - o homem gritou-lhe - Por ordem e protocolo de segurança! - espumava, sobrepondo palavras, gestos, enquanto ela se debatia e espiava ao seu guarda-costas um olhar cortante de rebeldia - conforme instruções para situação nível 0, lhe ordeno que se mantenha distante e aguarde!

Paralisou-se. A hierarquia havia sido confirmada. Lunia, mesmo que lhe pedisse, não tinha mando nessa situação. Amargo. Ficou vendo-a ser levada. Farfalhares estranhos em sua mente. Um sorriso luminoso de menina. Sapatos negros. Uma mão pequena entre seus dedos longos... Algo muito longínquo, baixo demais para ouvir., dentro de si mesmo. Piscou, verificou que sua mão estava vazia. Acordou para o entorno. Teve esgares de assalto, franzindo o nariz e bufando. "Esse inferno de laboratório!..." Um adejar de verde, repicou em sua pupila esquerda. Devagar, posicionou-se e capturou uma luz que vinha por detrás de painéis, por entre pilares por onde escalavam tubos coloridos. Verde... Os punhos cerraram-se violentamente até enbranquecer as juntas. "Aguarde."

Os minutos excruciantes pareciam arrancar-lhe pequenos pedaços de sanidade. A luz verde. O cheiro. Aqueles zunidos, tão familiares... Voltou-se ao som dos passos: era o doutor, bastante irritado, desalinhado. Sentou-se na banqueta, determinado, e no outro inspirar já tinha se prostrado, como se tivesse perdido todos os ossos do corpo: - Sete, a Srta. Lunia tem lhe sido inconveniente?
- Senhor, a Srta. Lunia faz parte de minhas incumbências e as cumpro sem julgamento.
- Vou formular de outro jeito: ela tem lhe provocado, tem abusado de você, tentado você a infringir sua postura profissional ou lhe falado coisas pessoais?
- Senhor, não tenho nada a reportar nesse sentido. - mentia feio, mas com convicção e isso pareceu aliviar por um segundo seu interrogador, mas logo reasseverou-se:
- Gosta de estar com ela?
- Senhor, é uma missão a qual me sinto honrado. - o que exatamente o velho esperava que ele dissesse?
- Perguntei se gosta.
- ...? Senhor, acompanho sua filha dentro dos protocolos exigidos de mim. - queria ouvir uma confissão, queria tentar incriminá-lo de algo, ou era só uma busca de elogio à filha?
- Gosta dela?
- Senhor, perdoe-me, minhas ordens são para manter distanciamento emocional de todos, inclusive de quem escolto.
- Ainda assim, gosta dela?!! - e os olhos do homem estavam agora congestionados e furiosos.
- Senhor... sinto decepcioná-lo... meu dever é protegê-la... não tenho intimidade com sua filha.

O grande gênio da ciência encolheu-se, escondendo a cabeça entre os joelhos. O assassino, diante dele, tentava compreender se algo de seu comportamento ou respostas poderia ser motivo de reclamação, se, desta vez, sua missão se transformaria em demérito. Ficou ali, mudo, aguardando. - Miserável! - foi o brado do pai antes de agarrá-lo com força de um pobre louco e jogá-lo contra o console para bater-lhe contra aquelas teclas e alavancas em sacudidas primais: - Por que isso?!! Por que?!! O que eu poderia te perguntar?!! O que mais poderia querer de você?!! Pedaço de carne desgraçada!!! Animal!!! Maldito seja, volta e volta e olhe só você!!! Olhe só... - claro que ele poderia ter se desvencilhado, ou ter evitado a queda, ou ter aparado os golpes, mas os protocolos todos o senteciavam a submeter-se ao humano, mais fraco - Olhe só... - repetiu-se, parando, ao vislumbrar o jovem apaticamente deitado sobre aquele aparato. O uniforme negro talhado como um terno caro, perfeito. A tatuagem de marcação em ambas têmporas, levemente visível entre os fios longos, soltos.
Puxou com ambas as mãos o rosto emaciado e adoentado, talvez quisesse arrancar de si aquela máscara, ou abrir-se em carne viva. Parecia agora culpar-se arrasadoramente pelo seu comportamento...

... "Típico..." quem sabe? Homens que se achavam tão intelectuais e avançados odiavam se deixar levar pela besta interior, coisa de gente involuída. De escória, como ele era, para aqueles humanos... Continuou esperando a reação do cientista, a defesa aberta, os olhos baixos de cão adestrado. Mas nenhum outro movimento de agressão veio. Cuspiram-se palavras, num tom mortiço e rude: - Caia fora daqui, está oficialmente dispensado. Volte imediatamente ao seu QG, já reportei o cancelamento de sua missão. Nos deixe em paz...

Ergueu-se: - Senhor, sim, senhor. - e foi-se, sem ironia ou tristeza, sem desrespeito ou contestação.

Os olhos do homem marejaram e sua alma quebrou-se sem solução... Dizem que, anos depois, quando ele morreu subitamente, no meio das turbulências da aparição dos Weapons, ele era nada mais que uma casca vazia...

Já havia morrido muito antes.



[The Slave with a Key - parte 8]

... vácuo...



Aw, Superman,
Where have you gone?


[Superman, by Bush]


Me acostumei com tuas palavras... então... agora elas me fazem falta...

Talvez seja como Saint-Exupéry disse... "tu te tornas responsável por tudo aquilo que cativas..." Por isso... eu espero... Leio o mostrador vazio de um celular... Me jogo na rede, a puxo de volta - nenhuma nova linha balançando de novos bytes... precioso alimento a reluzir... 010010110001010... não... não me deixastes nada...

Fecho os olhos e me deixo pensar... "talvez tu tenhas me respondido só com o vento... um pensamento teu... vagando por aí... sem que eu tenha encontrado..." Sim... isso é bem próprio teu...

Mas eu me acostumei com tuas palavras...


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

... please, have a nice day, even so...



A piece of glass
In the sand under your feet
It cuts you deep
And makes you hate the beauty
That you see
And you wonder where you are
How you ever got so far
Now you question what went wrong
It's your heart

It's raining again
There's a dark cloud
Over your head
It follows you 'round
It's bringing you down
It's raining
It's raining again

A wilted rose
Your decay is all you see
You buy the flaws
And miss the beauty
That is yours for free
Realize you are so far
From the things that matter now
And you only wonder how
It's your heart

It's raining again
There's a dark cloud
Over your head
It follows you 'round
It's bringing you down
It's raining
It's raining again

Come on
Come on get it right
Come on
Come on make it right
Come on
Come on it's alright

It's raining again
There's a dark cloud
Over your head
It follows you 'round
It's bringing you down
It's raining
It's raining again

It's raining
Raining again
There's a dark cloud
Over your head
.


[Raining again, by Staind]

É, isso é para ti... ( e para qualquer um, que como tu, também tem nuvens de chuva na cabeça...)
É teu direito, tu sabes que já te disse isso...

Mas hoje, além de tudo, vê lá fora?... Sim... Chove, está tudo cinza... E minhas poesias todas tendem a se encharcar e rasgar, como páginas velhas e desbotadas de jornal, que por acidente, foram lavadas pela garoa...

Cores amareladas e sujas... parecem coisas perdidas de nossas avós... calçolas sem uso e rendas partidas... Lá fora, barulho de bocas de lobo engolindo pequenos córregos... tilintares... o velejar dos carros no fino mar... as manchas nacaradas de óleo no meio-fio... (por que meio?)

... E eu... apesar de tudo isso, (também) só consigo sintetizar: que bela merda de dia!...