domingo, 28 de dezembro de 2008

... dê-me asas...


A luz pardacenta piscava um tanto... Ninguém se movia... Espalhadas num arranjo de volutas sobre o chão infecto, de um pó em pasta oleosa, as tripas em vermelho e membranas de Dois... quase um ramalhete de cravos encarnados, ao lado de seu corpo estirado...

... sobre ele... os joelhos de Sete... a figura inteira de Sete, mais jovem, mais decadente, mas... vencendo-o... seus dentes coroando a nuca de seu opositor... suas mãos... segurando os pulsos do outro... sua mente... ah!... sua mente... quantas moedas você daria pelos seus pensamentos agora que ele estava claramente dando as cartas de sua vingança?

Cães de rinha... Uma vida cruel e seca... Um recém estava aprendendo isso... o outro... As pupilas do homem chamado de 'Comandante' pelos CANNIBALS iam e vinham pela cena. Era necessária uma decisão. Iria intervir? Ou iria deixar que a luta prosseguisse até que um deles morresse... ou se submetesse ao outro? Sabia o quanto Dois era precioso... e também quanto era genioso e teimoso, dono de um orgulho aterrador... Estava disposto, portanto, a perdê-lo se o jovem vencesse sem tréguas?...

Um guarda engoliu em seco. Um rato passou chiando, de uma cela a outra. Uma aura expandiu-se e retesou o couro de Sete, arrepiou-lhe os pêlos dos braços e do pescoço. Seus olhos de Lua arregalaram-se. Não houve tempo. Arcos de um maravilhoso dourado cambiante uniram os dois corpos e chibatearam pelo chão em direção às grades, afastando os aparvalhados soldados. O som alto zumbiu e as faíscas riscaram em estalos o ar abafado. Os músculos de Sete contraíram-se ao ponto da asfixia. Seu coração parou. A carga corria pelo seu corpo balançando-o e finalmente lançou-o longe e alto.

Um centésimo de segundo congelado na retina absorta do jovem. Dois, erguendo-se, ágil, apesar de tudo, o uniforme recolhendo em proteção os intestinos antes expostos. Então sua própria queda. A espinha aciona-lhe os músculos potentes. Gira o corpo no ar, seu peito inteiro dói e ele não sente mais o pulsar do sangue.

[ ... você entende que está morrendo?... por que não o matou quando teve a chance?... foi uma grande estupidez... percebe agora?... eu não posso te perder... maldito seja... ]

Aterrissa com menos desenvoltura que gostaria, finge bem... mas fato é que logo, não haverá mais vida... Que porra de pensamento tinha sido aquele? Como uma lâmpada prestes a queimar, sua mente oscila, a vista preteando e voltando embaçada para captar o próximo golpe em seu rosto, derrubando-o contra as grades.
- Que erro, vadia... Sem volta, depois de morto... vamos nos divertir juntos... de novo... - a voz do veterano lhe chegava distorcida, e através do borrão de mundo que percebe não pode antecipar seus movimentos.

Puxa o ar com força, afogando-se. Um chute varre-lhe das grades ao chão.
Ele está no fim - veja por si mesmo: o uniforme escorre-lhe lentamente pela pele, dissociando-se dele... Sete está sendo tragado por algo branco e oco, repousante...

Não... apesar da mansidão da morte, há uma gana que não esmorece nele [ ... você não nasceu para isso, miserável... ]. O cheiro de seus dejetos sobe e farpas de lembranças passam através da dissolução de todos os sentidos, de todas emoções... A pupila já parada, fende-se - algo acontece. As caras de sátiro dos guardas que já curtiam os momentos seguintes se retorcem em espanto. As trevas parecem mover-se. Sobem como ondas pelo corpo branco de Sete, espantando o veterano, que não crê em tal resistência.

Aquela batalha já tinha durado mais que o previsto, Dois rosna, acompanhando o borrão pixe que não recobre a nudez do jovem. Sem ter pista do que viria, o assassino investe, chuta-o pelo estômago, erguendo-o num solavanco e gira, a perna desce com uma força absurda.
Partirá sua medula em dois!

Então... tudo preteia. O mais velho gorgoleja sangue, estático. Ainda vê o corpo incrivelmente alvo, coberto de hematomas e muito magro, quase que flutuando à sua frente, inefável e belo como uma pena. Os longos arpões recuam abrindo-se na carne transpassada. Dois abre-se em inomináveis flores escarlates e desaba como um boneco de pano rasgado.

Bestificado, apesar de jamais aparentar, o Comandante volta a si.

A cela enche-se de sons longínquos de passos e vozes aflitas. Sente-se leve. Como se não tivesse matéria. Um rosto de menina, lágrimas...
Tubos e verde... Um garoto branco com um sorriso trapaceiro... Um cristal dormente - uma prisão fora do tempo... Algo familiar e estranho na Lua... Vultos... Grilhões... Algo... como... uma profecia...

Sobre sete, o uniforme negro, aberto como duas grandes asas de penas perfurantes. Ou... como as mandíbulas sedentas da própria Noite, prontas para devorar seu próximo inimigo...

Que visão estupenda - é o que pensa o Comandante - que rapaz impressionante. Subestimara-o.

E quase perdera os dois...



[a Cannibal first meat] - 4

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

... o uivo...



Piscou os olhos... Estava coberto de suor e tremia de uma forma que mal conseguia esconder... Sobressaltado, esquadrinhou a cela escura - nada. Voltou-se para trás - pelas barras, só as trevas, engolindo qualquer horizonte, preteando sua visão.


Quanto tempo ficara apagado?... Conferiu o pulso inchado, agora levemente necrosado. Um pouco pior do que lembrava. Cuidou a câmera. O que estavam esperando? Teria se enganado?...

Fechou os olhos, juntou as mãos, devagar, pois a dor lhe dava náuseas. A testa molhada bateu contra os nós dos dedos. Se você o visse, neste instante, pensaria estar rezando. Fato que ele não conhecia o que era orar, a não ser por uma vaga definição programada em seu córtex durante sua gestação artificial. Um conceito para reconhecimento, não para prática... Sua mente estava se apagando - ele podia sentir, os neurônios mais e mais lentos, querendo dormir por mais e mais tempo, se perdendo, talvez...

A orelha direita balançou no ar parado - uma, duas, três vezes. Os olhos se apertaram. O coração bombeou mais rápido. Um som. Escutou com todas as células de seu corpo, em transe. Sim, travas abrindo. Sim, passos - quantos?! Atenção... Uma vertente fina de suor cruzou a têmpora, atraiu-se a um feixe de cabelos negros e deslizou numa curva muito aberta, antes de hesitar um pouco e engrossar e só então abandoná-lo. Quatro pares de pés. Conseguiu distingui-los, em um tempo maior do que levaria antes.

Sua nuca foi a primeira a retesar-se num estímulo elétrico, ferrenho. Os pulmões subnutridos e feridos, encheram-se num compasso mais ousado e seu primeiro expirar foi um bufar medonho - como um pitbull ao ter a trela solta na arena... Ergueu-se inteiro do assoalho de pedra imundo, a dor quis puxá-lo de volta e - por um segundo - tonteou e sentiu as pernas cambalearem, à deriva. Fechou o punho bom, focou a porta de sua prisão.

A boca do corredor cuspiu os vultos - primeiro, um guarda. Logo após, o Comandante - aquele semblante fechado e frio, como de alguém esculpido em gesso no momento de pisar em seus inimigos. Então... seguido pelo segundo guarda, ele... sim, eriçando seus pêlos e aquescendo seu sangue, ele... o outro... o veterano que o dominara... o responsável por sua humilhação - mas não por sua queda. Tivera o que merecera, assim pensava.

E agora, pagaria ao outro a passagem para o mesmo destino.

Encararam-se através das falhas entre as barras.
- Você está morto. - lhe rosnou o mais velho, seu número era claro no uniforme: 2.
- ... - um sorriso zombeteiro e um olhar de claro deboche responderam. O que pensara disso seu opositor?

O Comandante assentiu e a porta foi destravada, sem palavras ou meandros. Era assim. Num movimento rápido como o estalar de um chicote, Dois adiantou-se pela estreita fresta que era aberta - e estava sobre ele, antes que você pudesse piscar outra vez.

Quicou contra a parede oposta e suas costas latejaram de dor, a fisgada desceu pelo tecido de seu pulmão e cortou o fôlego. Memórias zumbiram em seus nervos, em suas sinapses, como tiros. O punho do outro ainda estava em riste, no ar - como proclamação de um ponto. Estava se exibindo...

Rilhou os dentes - antes que possa acompanhá-lo, veja! - num ziguezague contra as grades e num abrir de garras, Sete risca o ar. Golpe aparado. Novo. Defesa. Outro. Esquiva. Por quanto tempo seu cérebro ignoraria o latejar de seu pulso, o grito de seus órgãos moídos?

Uma máscara de guerra - assim é seu rosto, enquanto anula as sensações e continua em ataque. Não pode parar. Parar é morrer. Risca o outro - mas leve demais. O cheiro de seu carrasco lhe atiça, joga-se com mais fúria. E então... num flash, está imobilizado habilmente por ambos os punhos... Frente a frente com aquele que lhe arrancara a dignidade.
- Gostou de mim, porco? Se apaixonou?- rugiu num sussurro e, por um mero instante, o outro titubeou...

Gostaria de não contá-lo... Mas não posso calar...

A cara do outro resistiu e então cedeu, rasgando-se dos ossos e músculos profundos num som baixo e estranho, a cartilagem do nariz estalando e quebrando-se entre as mandíbulas rigidamente fechadas de Sete. Puxou o próprio pescoço num estirão súbito, arrancando a massa e mastigando-a em despeito.Um jorro quente e abundante de sangue batizou-lhe as feições endemoniadas, num brinde à vingança. Surpreso e afogado em sua hemorragia, o mais velho chuta-o para tomar distância. O grito rouco que lhe sobe é um rugido de fúria que abala os guardas.

Não há rounds, então, não há pausas - Sete gira o corpo no mesmo impulso que o arremessara e volta à toda carga devolvendo-lhe o chute na ferida aberta do rosto com seu peso multiplicado em muitas vezes. Mesmo para o veterano aquilo fôra devastador e ele tonteia... O novato prossegue emendando uma seqüência de diferentes chutes. No peito, nas pernas - Dois pende para frente - na cara, com o baque Dois é jogado sobre suas pernas de novo, nos intestinos - Dois bate de encontro às grades. O estrondo propaga-se pelo metal e anima os dois infelizes de farda que só observam.

Que seja bem entendido e por isso é dito: esta não é uma luta qualquer. Os seres que se enfrentam estão muito acima da potência de um guerreiro humano. São produtos de ponta do maior poder econômico neste Mundo: a Shinra Corp...


Ele sobrevivera anos a fio, primeiro sendo constantemente assediado pelo Número Um... Depois, enfrentando inúmeras missões. Ele era o Anjo da Morte. Pelas suas mãos inúmeros morreram. Executivos traidores da Companhia... Membros do alto escalão de outras nações... Líderes rebeldes de inúmeras facções... Sim. Dois era uma máquina de matar ajustada e experiente e só isso justificaria como ele poderia ainda bloquear-lhe o próximo golpe direto contra sua traquéia, apesar dos danos recebidos. O soco que parte de sua direita seria capaz de estourar um capacete - Sete recebe-o de raspão, seu cérebro descola-se e ele recua alguns passos zonzos. Seus pulmões arranham o ar, a doença é clara para quem ouve. Parado enquanto o cenário oscila em brancos enevoados e sombras, o mais jovem é arrebatado pela explosão da dor que ignorara e vomita contra sua mão. Escuta a risada do outro.

Ah... o olho amarelo está lendo as semanas que passou naquele poço do infermo nas linhas infectas do piso... a risada... aquela lembrança que lhe martelava os miolos tantas vezes cada dia... o suor lhe escorre pelo rosto e banha-lhe o uniforme negro como pixe...

Seu Comandante analisa o embate, gosta do que vê, aprova a sede de sangue que domina o novato apesar do estado lastimável a que está reduzido. Era hora mesmo do número Dois ter um rival à altura. E gela quando ouve o rugido que termina num uivo longo e profundo que sai da garganta rouca de Sete. Os guardas recuam, instintivamente, destravando as armas. As trevas parecem mais densas, parecem mais poderosas. Alguns jurariam que estavam sufocando até mesmo a platéia...

O som preenche a cela e extravasa pelos corredores, chegando ao primeiro nível do Quartel. Interrompe o golpe que estava chegando pelas suas costas arqueadas. E essa abertura é varrida pelas unhas em gancho de Sete. O uniforme do outro abre-se e afloram-lhe as vísceras e o segundo golpe, de canhota, vem debaixo e engata a mandíbula em três perfurações, descrevendo um arco no ar onde o corpo musculoso e ferido de Dois levita antes de ser cravado contra o chão num craquelar de ossos.

Gorgolejar de sangue e impropérios abafados por dentes soltos, um tentar mover-se - frustrado pela queda maciça do corpo de Sete, muito mais leve que antes - e a sensação dos avantajados caninos do jovem abarcando seu pescoço pela coluna. Um átimo perdido, suspenso em todas as respirações.



[a Cannibal first meat-3: editado]

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

... lições no limiar...



Estava sobrevivendo da forma mais vil... Entre os dentes, os pequenos ossos quebraram, e a garganta saciou-se com o sangue morno que não apagava a sede tremenda... os pêlos faziam cócegas em seus lábios rachados, moídos. Ao menos, tirava o gosto de urina que impregnava sua língua...


Terminou a refeição... Exigiu água, num berro de fera, rouco e poderoso, mas as câmeras de vigilância nada lhe responderam. E ela não veio, outra vez - nunca viera. Sequer alguém desceu para rir... Como sairia dali se ninguém viesse?... Sua testa rolou de uma grade a outra e os olhos piscaram, lentos, entregues a mesma seqüência de memórias... Quantas vezes ele relembrara tudo?... Não sei te assegurar, mas creio que milhares...

A dor não importunava mais. Acostumara-se a ela. Em tantas partes diferentes, de tantas formas diferentes: aguda. Quente. Pulsante. Como uma pressão. Como um serrar. Como um inchaço prestes a explodir. Asfixiante. Nauseante... Passara a ser parte dele, mais um sentido de si mesmo...

Abrira-se com as garras para tentar alinhar os ossos do pulso quebrado, dias atrás... Deixara seu uniforme invadir seus músculos para segurar os fragmentos no lugar... A ferida estava inchada, infecta e pontilhada daqueles cabos negros, que transpassavam-lhe pele e carne... Atado feito um marionete...

A febre o levava a planícies distantes... Sonhava em voar - um corvo, que comeria os olhos daquele desgraçado... Outras vezes, via-se em meio a muita neve, enchia com ela a boca, sentia ela limpar o corpo, e seu frio era tão maravilhoso... corria afundando naquele branco sem fim... - um lobo, que devoraria a todos... A febre era seu sono mais profundo e mais doce...

Tremeu a boca de leve nos calafrios, enquanto assava por dentro, e, como um clarão que se torna muito nítido - o pensamento condensou-se numa idéia. E aquilo avolumou-se atrás de suas retinas, tanto e tanto que seus olhos se arregalaram e as pupilas fenderam-se estreitas. Respirou devagar. Clareou sua mente. Dominou as batidas de seu coração. A face enrigesceu-se naquela máscara fria. Um sorriso muito secreto repuxou os lábios arroxeados, só um pouco.

Mirou a lente da câmera. Ergueu-se. Teve de juntar tudo que podia do controle de sua mente para repuxar o corpo à posição de pé, sem que balançasse, sem que se encurvasse - permaneceu ereto e olhou direto através daquele vidro, daquele diafragma. Como uma punhalada. Deu um instante a si mesmo. Precisava que sua garganta não lhe traísse. Tinha que fazer bem-feito, pois estava apostando, talvez, sua última cartada... Encarou quem quer que fôsse que estivesse sentado, numa bela sala, limpa, arejada, confortável em seu assento macio, simplesmente vendo ele se foder, dia a dia, naquela pocilga...

- Aquele filho da puta que me quebrou... não passa de um merdinha!... erraram se acreditaram que ele é melhor que eu!... o covarde se aproveitou por uma sorte... não conseguiria tocar um dedo em mim, aqui, agora!... não teria esse culhão!... não teria essa vantagem duas vezes!... que viesse!... que trouxesse todo mundo prá ver o que eu faria com ele... cachorro que não serve nem prá acabar com o que começou!... não estou morto! ouviu?!...

Puxou fundo um rugido que abalou o silêncio escuro e pesado daquele corredor.

Apontou o dedo na direção de seu espectador, como se o marcasse.

Pronto.

Os dados estavam lançados...


[A Cannibal first meat] - 2

domingo, 14 de dezembro de 2008

... por baixo...



Muito escuro... As pupilas finas se ajustaram, tomaram quase toda a frente do globo ocular, distinguindo as barras que o prendiam ali... Cheiro forte, nauseante... ratos mortos... fezes e urina... - suas fezes e urina.


Fome... Sede... Quantos dias haviam se passado desde que fôra enclausurado ali?... Nem um som... Iriam abandoná-lo ali? Ele veria a morte se aproximando, lentamente, cada vez com mais certeza, até que secasse tanto que seu coração não mais suportasse?...

Mal conseguia se mover... Seus músculos estavam pesados... Pressão baixa... Qual o sentido de tudo isso? Seus olhos se moveram, como se tentasse ler algo no chão ou no ar... Era só porque ele havia baixado a guarda... Um predador não deve depender de mais ninguém... Um predador não tem quem o defenda... Ele fôra ludibriado...

Fazia somente um mês que entrara em treinamento... Talvez mais, agora... E aqui estava, preso e humilhado... humilhado até seu último bastião...

Tocou com repugnância nos quadris magros, cobertos de hematomas profundos, o grito subiu, mas morreu na garganta fechada e nos dentes cerrados... Não o ouviriam gritar mais... Tocou de leve a testa contra o ferro gelado com cheiro de suor e sujeira... Não fôra o primeiro a estar naquele cubículo... Ar parado... Mofo... Fechou os olhos, aturdido e amedrontado... sim... eles o haviam derrotado... ele rolara até o último degrau da hierarquia... esse era seu destino, assim ele pretendia terminar?... ... ... não!... E seu sangue voltou a ferver, o cérebro disparou.

Sob as pálpebras fechadas, o barulho da porta se abrindo atrás dele... Os passos... Um ritmo estranho, sim cada um tinha o seu jeito distinto... Quem seria?... Seu corpo estava exausto... Então, ficou ouvindo o outro se aproximar e fingindo que dormia... Se... se esse que vinha quisesse lutar... teria que se erguer e ir com tudo...

O punho se fechou... Fôra seu primeiro engano: gastar tantas energias simplesmente para superar o treinamento aquele dia... Deveria ter feito só o estritamente necessário... Sem malabarismos... Sem tanto show-off, sem a perfeição de 100% targets cleared e 100% goals accomplished... Não repetiria mais esse erro...

Franziu o rosto branco em muitas pregas ao longo do nariz bonito, quebrado... Queria que a sua mente congelasse ali e voltasse... Mas... Ela continuou analisando... As garras entraram em sua palma, e ele percorreu de novo aquele caminho... O veterano... jamais sentira aquele cheiro antes... Saltou a tempo de evitar o primeiro golpe... A cama onde dormira, rachada ao meio... Teria partido sua coluna... Encarou-o por um milésimo de segundo - desviou-se por tão pouco que sentiu o tecido do uniforme dele roçar-lhe a maçã do rosto. Uma metralhadora de chutes, socos, cotoveladas, uma seqüência tão firme e coesa de golpes que mal conseguia respirar ao esquivar-se sem parar, sem parar - não havia tempo para contratacar, nem brechas, mal tinha espaço para mover-se...

Ali mesmo, revendo, arfava... O suor lhe escorreu pela têmpora ossuda e colou ali uma mecha muito negra... Deveria tê-lo atacado primeiro... Esse foi seu segundo erro... Podia recontar a dor, a sensação do primeiro assalto certeiro - nas costelas... a ardência em seu pulmão esquerdo não era bom sinal, ficou sem fôlego, mas mal teve tempo - o próximo foi na cara, em cheio... tonteou e viu tudo borrado, espirrou sangue pelo nariz e sentiu-o inundar sua boca também... Num impulso de adrenalina, reagiu e o tocou...

Uma só vez... Riscou-lhe a mandíbula com as garras... a carne e a pele se abriram em carmesim e balançaram soltas... Tentara abrir-lhe a jugular, mas errara feio com a velocidade do outro... As gotas de sangue do outro, dançando no ar entre eles... Milésimos... Então puxou a adaga do coldre - não a tempo... Escutou o estralo baixo dos seus ossos quebrando no pulso e gritou... Lembraria sempre aquele olhar... Aquela lascívia com que foi encarado - o deleite de sua confissão de dor, de estar subjugado... Foi como pedir-lhe... Esse... foi seu terceiro grande erro...

Então a sucessão de sua queda... As batidas inclementes de sua cabeça contra aquela parede, os dentes frouxos, socados, de novo, de novo, e o fedor dele quando finalmente deixou o uniforme recuar e o cheiro de seu suor, de seu tesão pestearam o ar... A tortura de não ter mais o controle... de assistir... a si mesmo... A desonra lascinante... Escutar-lhe resfolegar e rir-se dele com palavras chulas, como se fôssem íntimos... como se ele desejasse... Fizera questão de berrar seu êxtase para anunciar aquilo aos quatro ventos... E foi logo... outros chegaram... Logo... o veterano cansaria... É... mas haviam ainda outros para tomarem seu posto...

Revirou-se contra as grades, febril de ódio... E depois de tudo aquilo... ... ... Quando conseguiu se erguer... sozinho já... o que fez?... ... ... Foi procurar o Comandante... Ele sempre impunha ordem... E ele era o único que poderia autorizá-lo a ser medicado... Seu sangue coloriu o piso, como Joãozinho deixava migalhas de sua casa por todo o caminho na floresta... Chegou em sua sala, sabe-se Deus como, e sequer seu traje conseguia tapar-lhe a vergonha de seu corpo ofendido e quebrado, quase nu, de um branco chamativo demais. Os guardas se acotevalavam e riam, diziam chacotas muito baixo, pensando que ele jamais ouviria...

"Sete, você tem a estupidez de se apresentar assim ao seu Comandante?" - o homem dissera-lhe, erguendo contra ele seu cenho frio e enviezado - "... Já deveria saber que um Cannibal tem que estar sempre por cima, ao menos aparentar ser invencível, intocável... E você, soldado... está um lixo... Você não me inspira nenhum respeito... Você parece um civil pronto a ser abatido... Você será tratado como merece... Isso eu lhe garantirei, sempre..."


O último dos seus erros... E aqui estava... A ordem fôra rápida e curta... E mais rápida foi sua descida a este limbo onde o jogaram... Nada de água ou comida... Luz... Sem visitas... Jogado aqui para apodrecer... Ele já sabia, não?, que Cannibals morriam às pencas no treinamento...

Bem... era a sua vez... Ou o que?

[A Cannibal first meat]

... pequenas jóias minhas...

Estranho... Acordar de madrugada, completamente só... Andar pelo apartamento e não escutar o teu ressonar e ir ao teu encontro, ver se precisa de um lençol ou se está suando... se não deixou cair o travesseiro no chão, ou o teu au-au do abraço... Não poder te olhar dormir e retraçar toda a nossa história, desde que tu estavas escondido do mundo, aqui dentro... Não poder mexer um pouco em ti, sentir a seda macia e leve dos teus cabelos, filho, ou a pele rosa dos teus pés, da mão pequena...

Olho prá fora, escutando os pássaros acordarem, cantando, piando, escuto eles conversarem entre si, atentos, escuto seus ninhegos... O Sol de alguma forma está vindo, circunscrevendo o horizonte abaixo de nós, emergindo... as cores com que abre o céu enchem minhas retinas... e começo a ouvir os sons humanos... o metrô, iniciando suas viagens... um ou dois carros na rua roncando motores... E aqui dentro, só o teclar dos meus dedos, tentando registrar o que é impossível...

As palavras... como ornamentos muito sutis, trabalhados à exaustão por milênios... o que elas são a não ser filigranas que nos envolvem e tentam nos ligar ou nos afastar dos outros?... mas nada além disto... que significado teriam em si mesmas?... Elas precisam de alguém que as vista... entende? alguém que seja com elas... por que?... creio que só podem enfeitar o que já é, do contrário, estão vazias... quebram... revelam algo oco e isso é feio - mentir, fingir...

E isso também demonstra que só as uso porque quero que isso que sou e sinto pareçam belos... pareçam interessantes para que você me escute... me leia... para que rastreie tantas coisas que confesso diretamente ao centro, para que ache a fonte... Porque tudo que realmente importa, já está sentido... já sou... E penso em você, que caminha ao meu lado... e a quem amo tanto... Você pode ver isso nos meus olhos, sem que eu despeje uma só palavra?... Você pode ler, sem palavras, tudo que quero de bom para ti, e toda minha saudade, e meu carinho por ti, apenas em cada gesto meu, algo pequeno, algo tímido e velado, você consegue sentir?...

Sozinha aqui penso em tantas coisas e vejo nuvens de um rosa brilhante e um violeta escuro, de bruma, cores que irão se desfazer, sem registro, que irão passar, sem deixar outro rastro que não seja sua efêmera visão em meus olhos insones...

Ah... a posteridade das palavras...

domingo, 7 de dezembro de 2008

... não planeje...

É estranho como o destino nos pega... Traiçoeiro, surpreendente. Injustificável... Ah, sim, eu entendo você, mas espere: eu também acredito em livre-arbítrio. Não imagino que haja um roteiro escrito desde o nosso nascimento até a morte - não torça as minhas palavras, espere um tanto mais...

Temos opções e as fazemos. Buscamos até mesmo projetar nosso futuro. Temos essa ilusão: de que agindo com coerência dentro de um plano, atingiremos nossa meta... Não é assim?... Mas, e quantas vezes, apesar de você ter feito isso, não chegou lá?... Hm?

Aí que está... O pulo do gato. Temos escolhas e pagamos por elas, mas, há algo além: nem sempre o resultado depende só de nosso esforço... Certo?... O resultado também depende de fatores que não podemos controlar e até, ouso mais, que não conhecemos... Não adianta um só jogador num time de 11 estar dentro do jogo prá vencer, hm?...

A vida me parece assim... E olhando daqui, o desenrolar da sina desse jovem de raça artificial, Ash, ou Sete, ou Fenirs'úlfr, como queira, eu vejo que ele também se confunde... A cabeça dele, já pesada, gira e gira e acaba tendo de largar esse assunto, porque há coisas demais urgentes para sua atenção, nesse momento.

O Mundo está decadente... Ok... Sempre esteve, hm? É, eu tenho essa percepção, talvez não seja a sua. Mas agora, esta é a verdade. Há uma razão. Chama-se Kuroi. Muitos querem para si a culpa. Muitos querem para si a solução. Mas... podem eles trabalhar unindo suas sinas para ganhar esta partida?...

Enquanto isso não ocorre, algo incomum atormenta esse ser de pele branca como porcelana, uma pele cujo toque mal parece humano... O olhar dele, ímpar, pousa e pula, da figura dela, à qualquer outra coisa, e de novo, volta, como magnetizado, para a mesma armadilha. Ela parece demais com aquele a quem ele busca. Aquele a quem jurou a maior de todas as lealdades. Empenhou bem mais que um contrato, honra ou belas palavras...

É... Você entende, não? Como é fácil para ele, só, meio insano até, alguns diriam, fraco de fome, de sede, de doença e cansaço, atormentado por uma culpa tão pesada quanto a morte de um inocente e o fim de tantos povos, atormentado por achar-se o furo na malha forte que era seu grupo, que iria salvar o Futuro... Um deslize na direção da gravidade - ela, emulando o loiro ausente em todas as partes, menos dentro dele...

Bem que ele luta contra esse engano... Mas, veja: há escolhas que não podemos fazer, que não temos o direito ou o poder de fazer - são as escolhas dos outros... E algumas vezes... é... algumas vezes, nós somos o predicado dessas opções... O alvo.

Esquivou-se dela e enlaçou-a, ao mesmo tempo - em tempos intercalados como num tango. Forçou-se a resistir quando em tantos instantes seu peito gritara-lhe: dê-me só um minuto de prazer, basta que seja como sempre foi - impulsivo e agressivo - beije-a, abrace-a, durma entre os cabelos dela...

Como um bom espartano: não. Ele manteve-se firme e estóico. Do mesmo, era só fraqueza pelo desespero de tudo. Não era? Havia algo sério e urgente nas mãos dele para cuidar e ele jamais se daria a qualquer luxo antes de ter cumprido o que seu sangue lhe pedia, desde o centro mais íntimo de sua essência.

Ele o achara. Insistira. Trouxera ajuda. E haviam conseguido: Drako estava vivo e entre eles.

O Gran Finale, porém, não chegou da forma coerente que o ex-Cannibal imaginava. Hah! Cá estamos de novo: a grande e imprevisível Roda da Fortuna, que gira conforme os passos de toda uma massa de gentes. Seus mecanismos incessantes trabalharam para que os dois se afastassem naquele momento mais crucial. E para que aquela mulher, Amber, se deparasse com ele quando ele caía...

Ash estava preso naquele olhar, naquela voz caudalosa, a sobrancelha enviesada. E os braços, sim, aqueles braços que o cercavam e o acolhiam, como uma bandagem leve sobre sua carne viva. Ela, que há um dia atrás quisera despejar-lhe o sangue no gelo branco... E ele continuava dando-lhe razão: ela deveria ainda vê-lo como seu inimigo... Pois ele, bem, ele não sabia lidar com sentimentos, não sabia tratar pessoas, muito menos contentar mulheres... Ele pretendia dar sua vida por aquele outro jovem, e não gostaria de ver alguém sofrer com este resultado...

E ainda assim... Enquanto ela o abraçava, ele sentiu-se protegido e nulo, pôde fechar os olhos e ceder seu corpo... Naquele momento singelo, Ash, um dia o assassino mais quotado entre os Cannibals, fôra somente uma alma solitária, frágil, à mercê da indulgência tão doce dela... Nada de grandes objetivos, abnegação, ou treinamentos e armas... Só aquela sensação de aconchego... Somente a vertigem de se sentir a salvo, de poder confessar-se pequeno diante do Todo, indefeso perante o Todo sem angústia...

Amber... como um cantil de água fresca... Acha que ele poderia bebê-la assim?...

sábado, 29 de novembro de 2008

... fale mais comigo ...

[Prólogo da Season II - final do New Edda Arch ~ texto 12,
para ler todo o arco, ver tb http://ashrann.blogspot.com/]
Depois daquela réplica, mais nenhuma palavra...
Toda a noite o jovem esguio, de cabelos negros como o pai, checava o Diário... Tornara-se um ritual, parte da rotina na volta do trabalho, parte de sua pausa antes de ir ao treino.
Hoje mergulhara de novo no grande e tormentoso Oceano. Sob os olhos vulpinos de Zero, seu supervisor, seu único salvador caso tudo desse errado... Conseguira manter-se uma hora inteira na água. Uma melhora de 40% desde a última semana. Recebera um evasivo elogio de seu tutor pela façanha que não era invejada nem por navios da marinha.
O albino era frio, quase cínico em seu tratamento com ele. No entanto, podia ver o quanto o Mago esmerava-se em garantir-lhe a sua segurança, em testar os aparelhos e cordas antes do mergulho... Teria algum sentimento naquele coração apagado, tão em branco quanto seus cabelos?...
Estava, portanto, num pique de adrenalina. Fechou a rede holográfica, frustrado e doído, e foi até a geladeira. Sacou uma cerveja bem gelada e abriu-a com seus dentes. Ah... sim, atualmente exibia-se para si mesmo. Logo logo estaria forte o suficiente para lutar ao lado do pai.
Ouviu as batidas na porta e já sabia quem o aguardava. Saudou Troy, uma alegria renovada em sua voz, aquela voz imprevisível e pouco graciosa dos adolescentes - condição precoce em que se encontrava. O amigo também estava particularmente exaltado nesta noite. Muito falante, o baixinho enfezado entrou contando sobre a reaparição dos lobos-leões nas planícies devastadas.
E o assunto, como é claro, puxou-lhes a lembrança daquele que os traíra. Alex. Capturado há alguns meses pela Shinra e mantido prisioneiro sob graves acusações. Nenhum deles tentara procurá-lo, mas viam que isso era um erro que deveria ser consertado agora. Muito o que saber, muito o que entender - se era possível... Quem sabe conseguir-lhe a liberdade? Talvez até... aceitá-lo ao seu lado, ombro a ombro, outra vez...
Tinham muito o que fazer. Estariam maduros já?
Debatiam esses planos quando, na perna de Troy, o comunicador - o mesmo que rendera-se mudo por um ano a fio - chiou e pipocou estática. Silêncio, um pulsar de coração - o aparelho sintonizara com uma freqüência longínqua, instável - e veio o sinal. A voz. O Cetra sacou-lhe num impulso nervoso, quase incrédulo, os olhos estalados de surpresa, a emoção extravazando dele como um rio por seus poros. Abriu o canal... chamou-o. O led piscava, oras verde, oras vermelho - suspense. O fôlego dos dois rapazes em Midgard, retido.
Então novamente a voz baixa, veludosa e rouca. Um quê de emocionada. Quase um sussurro. Falhando, mas inteligível. O ex-Assassino finalmente fazia contato. Os garotos gritam, comemoram. Os olhos do garoto dos Anciãos como estrelas que reaparecem após o vento varrer as nuvens da noite.
Em outra sala, escura, o homem de cadeira de rodas tem o mesmo sobressalto. Seu olhar oculto sob o capuz atinge o alto da estante. Entre os livros, o velho PHS, conversando. Em poucos segundos as palavras de Ash chegavam-lhe também.
E elas diziam: ... Econtrei Drako.

... pérolas em minha carne, pérolas ...

[New Edda Arch ~ texto 11,
para acompanhar o arco, ler tb
Lêra a carta com cuidado... Estava fraco e tão logo terminou seus dedos se ferraram em torno dela e seu corpo todo encolheu-se, se fechando como uma concha sobre aquele papel. Uma ostra encerrando em si a causa de sua ferida.
Chorou. Um pranto terrível, porque forte demais para ser contido atrás dos dentes ou morto em sua garganta seca. Um choro que saía em urros, uivos de dor, cuspes e ranger de dentes...
Retomou o fôlego. Abriu-a outra vez e releu-a. Devagar, sem devorá-la, dessa vez, nos ímpetos da saudade. No fremir daquele amor - paterno - que ele desconhecera. Uma ruga vincou a testa reta, bem entre as sobrancelhas de pêlos longos: preocupado. Sim... a grande distância que o separava deles... nela ele sentia a sua impotência em defendê-los. O fel que o matava e o dividia... Não estar com nem eles... nem com ele... Não ser o suficiente para protegê-los... a todos... sempre...
Fazia meses que não se animava a quebrar o silêncio de suas horas solitárias. Frases... só as trocava com aquelas pessoas desconhecidas e desamparadas, como ele, sempre as mesmas perguntas, sobre Drako, sempre as mesmas respostas... poeira... e vácuo... Mas aquele pequeno pedaço de linhas escritas... aquele retalho da alma de seu filho... aquilo tirou-o com um soco de sua mudez.
Talvez não tenha dito tudo que havia a ser dito - e quem o faz?... Talvez nem sequer tudo o que desejava dizer - mas você consegue? Mesmo assim, cedeu, lutou contra a paralisia, e respondeu - um pobre bilhete aleijado - mas antes isso, antes ter emprestado voz a seus pensamentos, do que ter calado, do que tê-lo deixado desamparado, sem saber se suas palavras haviam sido lidas. E como o foram...
Não se engane. Não deixe que seus olhos o iludam: seu espírito está mais doente, bem mais doente, que o corpo magro, que os olhos tão mais empoçados em olheiras, deixam perceber. O andar perdeu a leveza. Os gestos perderam a agilidade. A postura, encurvada, como um pinheiro que cresce fustigado pelo vento. E ainda assim, ele se ergue. De novo. Abandona a caverna que congelou seus ossos a noite a fio. Banha-lhe o sarcasmo de um nascente fosco.
Ele sonda o céu. Seu pensamento acolhe a trilha enquanto procura o Astro dourado. Informaram-lhe que milhas avante, em direção ao deserto gelado de Golden Saucer, há um povoado. Gente que se infiltrou nas rochas do sólo. Sobreviventes. Então, era hora de partir.
"O Sol... também perdi-me dele..."
Baixou o olhar e endureceu o queixo.
Calcou o pé nos pedregulhos. Suas passadas lentas ressoam na vastidão. Solitárias...
Ressoam, acompanhando outro ritmo.
O ritmo de seu coração... abalroado... quase à deriva... mas insistente... insistente... porque seu capitão não se permite naufragar...

domingo, 23 de novembro de 2008

... Carta ao Pai...


[New Edda Arch ~ texto 9,
para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]


Quem é você, pai?... Pai... Heh... É engraçado te chamar assim... Posso?...

Li este seu diário. Pouco a pouco. As vezes abandonei uma página no meio. Demais prá mim, saca? E já foi muito tudo o que aconteceu e mais você ter virado as costas e fugido sem se despedir ao menos... Sabe, tenho ciúme, você parece só ter lealdade para ele.

Nunca escrevi uma carta antes. Zero me disse que eu deveria tentar. Talvez assim dê notícias - é, eu estou preocupado com você, mas acho que não deveria. Também acho que fui covarde em não ter escrito antes.

Já faz quase um ano! Eu cresci, pai. As pessoas me dizem que pareço um homem, que mudei muito. Você não liga para isso? Hein? Não pense que estou aqui em Midgard descansando!

Estamos trabalhando duro. Tô num time de inventores e gente de tudo quanto é área, minhas idéias e as deles, eu vejo saindo do papel, ganhando um lugar na vida das pessoas... Tenho aprendido prá caralho. Apertado muitas porcas, soldado algumas toneladas de ferro e aço, pai. E nas horas vagas, eu treino...

Zero me disse que nós três temos um lance de destino. Que a gente foi criado a partir de uma semente única. Que nosso poder está acima dos homens. Ele me incentiva a superar meus limites, é meio louco isso... Porque, bem, prá mim, isso só significa uma coisa: eu tenho uma grande responsabilidade para com esses companheiros. Tem vezes, de noite, antes de pregar o olho, que eu penso: "Merda, eu poderia ter feito muito mais!"... Bem, que se foda! Não há como voltar atrás.

Por isso, eu treino... A valer. Os soldados gostam, eu aposto contra eles, chamo eles em grupo - ah, você não acredita, não é? - sério, eu digo: hey, dêem tudo que têm seus galinhas! Deixo eles usarem tudo. E faço a briga valer, dou cansaço neles. Quando conseguem me derrubar, dão risada, se empolgam, e eu solto palavrões, dou uns safanões neles, prá não ficarem muito cheios. Mas depois, hah, depois a gente se reúne prá zonear e beber.

Conheci uma tal de Srta. Lunia. Ela aparece aqui dia ou outro. Tá sempre perguntando de ti. O Zero as vezes chega para conversar com a madame. Sabe que o pai dela morreu? Zero disse que você tinha intimidade com eles... Deixou isso no ar, e fiquei com uma puta curiosidade. Essa gente graúda era o que seu? Ah, ela fica nos perguntando como e por onde você anda. Se vai voltar... Notei que a gatinha tem uma queda por você... tirou casquinha dela?! Tsc...

As vezes vamos com os SOLDIERS para acompanhá-los em alguma missão, fora de Midgard. Instalar novas tecnologias, fazer pesquisas e análises de necessidades para novas soluções no meio de outras comunidades, bem carentes, ou simplesmente, para batalhar ao lado deles e ver como as novas armas tão funcionando em campo... Tem sido duro... Os tais Weapons...

Continuo tendo de aturar Zero e seus comentários, aquelas manias que você conhece melhor, que humor!... Ele é um embusteiro. Chega a me preocupar, de tão vil, as vezes. Mas, sabe?, quando precisamos mesmo, ele nos auxilia. É bem sagaz e muito... muito poderoso, pai!... Ele te contou que assumiu o título de Mago? É absurdo vê-lo praticar essa arte: o nível de energia que ele manipula com a maior facilidade! Um mestre nisso. E tem atraído seguidores... É aterrador...

Ane nos deixou, meses atrás. Zero me garantiu ter lhe avisado disto, mas... Bem, restamos nós dois e Troy. Ele está aqui conosco, mora no mesmo edifício chique e tá sempre a disposição. É um cara legal, que mudou bastante. Particularmente, gosto dele, mesmo assim. Muito mais do que de estar na mesma sala que Zero...

A gente tem estado bastante tempo juntos, trabalhando e treinando tiro. Vemos as mudanças no Mundo e algumas a gente comemora, outras... É tão agoniante não poder resolver isso... Eu vejo isso ferver nele também. Aliás, ele vem recebendo escolta especial da Shinra, por aquele lance dele ser dos Cetras. Porra, isso é muito maneiro, mas também deve ser muito triste, prá ele...

Capturaram Alex... Eu sequer fui tentar visitá-lo... Mas... acabo sempre visitando Uriel... Eles fizeram tudo conforme você pediu...

Pai... Sei que pensa que não precisamos de você. É um erro. E, prá mim, é transparente que você continua se culpando. Quero que volte. Nem que seja só de passagem. Nem que seja só para que eu me assegure que é verdade o que Zero me conta: que você tá vivo e continua no caminho...

Sentindo sua falta,

Ace.

P.S.: Está usando então sua nova arma? Aprovou? Já lhe deu um nome? (É que... fui eu que fiz... Tá... Eu tive orientação do Zero e ajuda do meu time lá da Oficina.. Mas... pôxa, isso me deixaria inchado!)

... o menino e o lobo... [New Edda Arch]

[New Edda Arch ~ texto 7,
para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]


O que faria se sentisse que todas as coisas que mais ama precisam de que você lute, lute por elas com todas as forças ou elas desaparecerão, e você percebesse que o haviam pego? Que está irremediavelmente preso? Que as engrenagens do Tempo andam lá fora, triturando todas aquelas coisas, as que você jurou proteger? As que você jurou não abandonar?...

Com um urro selvagem ele debateu-se contra as grades e ao procurar Banshee, notou que até mesmo suas armas haviam sido levadas... Farejou o ar morto e quente, mofado, daquele lugar sombrio. Arrepiou-se. As lembranças o atropelaram. A Ala de Detenção da Sede. CANNIBALS. Seu cérebro retorceu-se num looping tentando lembrar como viera parar ali ao mesmo tempo que tentava se convencer de que não estava mais ali, de que essa etapa de sua vida, passara...

O Weapon!... Lutara, mas desta vez, a fuga viera tarde demais. Tinha caído. E então... ... ... Sim. Com um arregalar do olho amarelo, retomou aquele fragmento: Zero estivera com ele!... Olhou-se de cima a baixo, repentinamente tomado de vertigem, procurando qualquer zombaria, qualquer armadilha. Seu uniforme estava recarregado. E, com certeza, sua força voltara - sinal de que havia recebido tratamento... Só isso?!...

Tinha que sair dali.

- Abram!!! - bradou num urro e as paredes subterrâneas ressoaram e levaram o eco do seu protesto aos corredores abandonados e aos saguões onde o mobiliário era sua testemunha.

- Zero!!! Eu preciso sair!!!

Resfolegou, encostou a testa, rendido, contra o aço e se pôs a pensar. A única coisa certa é de que tinha que tentar e tentar, até estar livre. Com seu olhar de Lua fitou a parede oposta, inteiriça e o outro lado do corredor, escuro e vazio, através das barras. Baixou o olho, ainda ruminando a situação. "Ele jamais desistiria. Ele faria qualquer coisa para estar onde nós precisamos."

Seu rosto se tornou uma máscara de determinação. Afastou-se da grade. Encarou-a. "Agora, aí está seu inimigo!" Franziu o nariz e chamou a fera que morava dentro dele. Ela era rebelde, difícil de domar, desobediente. Mas ele precisava dela agora. Rilhou os dentes. Tentou despertá-la, de novo e de novo. Tateou os bolsos - não tinha mais o Soro... Arfou, estava suando.

Como uma fagulha elétrica que surpreende a escuridão, a palavra surgiu na abstração de sua mente estática. Sorriu, com muitos dentes, como um cão. Olhou aquele aço em frente, baixando a cabeça - não era cansaço, era simplesmente, o ataque...

Repetiu para si, desde o centro mais baixo de sua mente, de sua medula, o mantra de seu nome:

Fenris'úlfr

.......................................................................


Ace recebera o estranho pedido daquele albino que dividia com ele o apartamento arrumado pela Shinra Corp. Estudou o conceito desenhado a pena em papel de ares antigos e riu baixo: seu mentor, aquele garoto que parecia mais novo que ele, gostava de parecer realmente arcaico como um monolito coberto de runas dos Anciãos. Passou a língua nos dentes e sorriu. Ah, seria um desafio e tanto!... E ele... bem... ele adorava ser testado em suas perícias de inventor!

Fazia meses que o garoto juntara-se ao time dos inventores, mecânicos, engenheiros, técnicos, para esculpir um novo Mundo, para achar novas soluções, tanto para os velhos problemas, quanto para os novos - e não eram poucos, nem de importância secundária... O Advento dos Weapons havia revirado os continentes e seus povos de pernas pro ar...

Tratou de descer correndo a Torre e ir ao Centro de Operações, queria trabalhar com sua equipe de camaradas naquilo e começaria exatamente agora! Talvez Troy também quisesse ajudar!

.......................................................................


O estrondo do metal, abafado e trincante, subia dos andares abaixo pelas escadarias desabitadas. De quando em quando, aquele som, ainda mais medonho, preenchia todos os espaços e cortava a realidade, num sobressalto - o uivo. Não um uivo qualquer...

Não.


O uivo da fera capaz de engolir um Deus...

.......................................................................


Na oficina, o filho do Assassino e seus camaradas trabalhavam, noites a fio, após seu expediente, naquele pedaço de aço com liga composta de carbono. Não era só isso... Zero lhes conseguira materiais um tanto exóticos para a fundição e depois, para a manipulação e o resfriamento da peça... Tudo isso era adrenalizante para o pequeno grupo: aquela grande coleção de retalhos supersticiosos daria resultados?

Havia uma das coisas que particularmente lhe chamava atenção: um enorme dente, curvo e cheio de cúspides extremamente cortantes. Era do tamanho de sua mão espalmada e ainda tinha o sangue ressequido do animal de onde fôra extraído... Aquela porção de esmalte rígido, tinha um toque gelado e destrutivo... Como se algo reverberasse dali direto à alma...

Prepararam com cuidado, na madrugada insone de um longo dia, os slots para incrustrar as materias. Não podiam abusar - a arma já tinha uma enorme carga conforme os sensores mostravam em gráficos holográficos surpreendentes. Por isso, foi legada a ela somente um... e não mais.

Iam banhá-la no ácido que o albino, intitulado agora como O Mago, havia preparado para esta obra, especialmente, quando o próprio irrompeu no grande saguão das fornalhas e ferramentas. Cheirou o lugar com certa desfaçatez... Com certeza não pertencia àquela paisagem, mas iria aceitá-la pelo tempo suficiente. O uniforme transfigurado naqueles mantos e o grande caduceu lhe davam uma aura de imponência e mistério. Uma fama súbita que comovera parte do povo, e até pessoal mais instruído, da Corporação...

A grande trança branca como o pêlo do arminho e a neve de Golden Saucer, caía-lhe pelo ombro esquerdo até abaixo do cinto grosso e rústico. Encarou o grupo.
- Baixem ela no ácido...

Sua ordem foi obedecida de forma um tanto automática, apressada e destrambelhada. Ace cuidava-o com o canto do olho, desconfiado e admirado, ao mesmo tempo, buscando interpretar e capturar os detalhes daquele ser com o qual se sentia ligado. O único que sabia do paradeiro de seu pai. A pessoa que lhe narrava os feitos dele, de quando em quando. E que lhe dera a chave de seu diário...

Refletindo as cores fantasmagóricas de uma Aurora Boreal, a enorme espada de curvas elegantes e simples, afogava-se na solução em borbulhas e sons espectrais. Os rapazes em seus uniformes grossos arregalavam os olhos até quase rolarem das órbitas atrás das máscaras de proteção, gesticulavam e falavam alto, cheios de ânimo ante aquela festa pirotécnica. Mais alto foram suas vozes quando o Mago, aproximando-se da piscina, ergueu seu cajado e convocou, numa língua já morta, os poderes da Lifestream, moldando-o com sua voz e seu olhar convicto, formando letras e traçados antigos demais para que seus espectadores os decifrassem, e com um comando, transferindo-os para o aço carbônico, imprimindo-os lá, em baixo relevo, para que qualquer um os visse, desta data até o Fim dos Tempos...

.......................................................................


Talvez tivesse quebrado alguns ossos... Que importava? O vento que lhe afagava os pêlos negros era o prêmio pelo qual faria aquilo outra e outra vez!...

Mancava rápido, deixando para trás o prédio deserto, os símbolos de seu treinamento, de sua miserável iniciação nos CANNIBALS, os vestígios de um tempo que ele procurara esquecer - não: superar e vencer! Um retalho do seu passado que não combinava mais com ele. E fôra uma piada de mau gosto aquela criança infernal tê-lo mantido num cárcere justo ali. Ah, ele sabia que fôra premeditado. Tudo que aquele garoto fazia, era calculado...

Na cela onde estivera, as barras escancaradas como costelas abertas em flor...

Por que o prendera, por que o deixara desarmado? Pensava com isso detê-lo? Hah... Isso enfurecia a enorme criatura e seu passo ficava mais confiante e mais forte. Nada iria impedi-lo! Voltaria do Inferno, se precisasse! Sua cabeça latejou e as orelhas triangulares baixaram imediatamente, o pêlo erguendo-se como uma crista eriçada. Bem a sua frente: Ele.

Encarou-o. O rosto do garoto não mostrava nenhum temor. Mesmo que estivesse metros abaixo:
- Vejo que está evoluindo. - Ash cuidava-o atentamente, esperando o desfecho daquela visita e viu na cintura do albino suas duas adagas.
- Vou pegar minhas armas. - grunhiu baixo, contendo o rosnar entre as grandes presas.

Zero sorriu intensamente. Estava de guarda baixa e parecia descontraído. Convencido de si mesmo. Que grande diferença daquele menino assustado, calado e mirrado, que ele libertara do Laboratório há quase um ano atrás...
- Agora sim, quase... Você não as terá de volta, eu ficarei com elas. Tenho outros planos para você... Mas, antes... Mais uma prova... Venha pegar, Fenris'úlfr...

O nome, dito pelo outro, ardeu em seu peito. Um ferro em brasa. O olhar de Ash se incendiou. Então era isso: um desafio. Pretendia mesmo medir poderes?... Desprezou a aparência infantil de seu oponente e o cercou,. Verdade que ainda estava reticente:
- Não faça isso...

Em resposta, o estouro do fogo que consumiu-lhe o couro espesso da cara pontuda. E levou sua visão...


Mas, não se preocupe: a dor é uma ótima conselheira...

sábado, 22 de novembro de 2008

... destroços seus... [New Edda Arch]


[New Edda Arch ~ texto 6,
para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]


Recostou-se na cadeira de espaldar alto, sentindo o veludo quente e lascivo acolhê-lo. Bufou. As paredes repletas de livros velhos emanavam para ele o cheiro de lar. Fechou os olhos. Sentiu os músculos do outro, fibra a fibra saturadas, movendo-se, ainda, continuando aquela peregrinação obstinada e insensata. Sentiu-lhe o coração. Mudo. Tão mudo. Franziu o rosto e retirou-se dele. Medo? Talvez sim, talvez tremesse como agora do terror de um dia ser contaminado por aquele vício...

Mesmo sem mover-se de Midgard, Zero não perdia de vista os passos de seu descendente - Ash... Ou, como ele prefere: Fenris'úlfr. Antes chamava-lhe por aquele número: Sete. Era seu código de batismo nos CANNIBALS: P.A.#7, em honra ao número de experimentos que, como ele, haviam sobrevivido até maturarem o suficiente para serem libertos do ventre artificial... Bem, isso é outra história. Até porque, aquele exemplar em especial era diferente. Em muitos sentidos.

Por três vezes já tivera que intervir indiretamente para que o cretino não se suicidasse cegamente, brandindo armas contra os tais Weapons. Não havia ainda como ajudá-lo, e ele já lhe avisara disso em tantas ocasiões que perdera a conta. Mas sua paciência tinha se esgotado. Suas palavras não surtiam o efeito que esperava e só lhe restava uma opção. Drástica.

Fixou a íris vermelha como sangue fresco nas palmas de suas mãos, tão pálidas. Sorriu. Era uma careta de triunfo, mas em ninguém inspiraria glória. Calafrios, isso sim, você teria se pudesse vê-lo tão satisfeito.

.......................................................................

O caminho poeirento seguia. Destroços de tempos em tempos, como uma partitura gasta e lenta. Testemunhas de todas as batalhas perdidas, do Mundo que fôra derrotado, e mesmo assim, prosseguia. Estava caído ali, há algumas horas. O sangue escorria das muitas feridas, empapando o uniforme cheio de falhas. Sim, seu companheiro de nascimento não tinha forças para se recobrar e entrara em standby. Uma poça singular espalhara-se como um halo o redor de seu rosto, por ali vazava o que tinha dentro. E era quase bonito. Entende?, havia uma rara beleza na forma como seus membros tinham se disposto, e suas cores, o negro recoberto por tanta sujeira como uma camuflagem, e os salpicos vermelhos enegrecendo o solo duro e seco ao seu redor.

Como um lago que fôsse agitado pelo pousar de uma libélula, o ar dobrou-se em círculos e deixou passar a figura pequena, recoberta por longos panos. Ficou ali de pé. O cabelo branco, soprado aridamente.
- Você não aprende... Eu deveria descartá-lo e deixar aí prá que morresse... Prá que continuar com isso?... Huh?... Você seria mais útil vivo...

Do quase inconsciente, o Assassino escutava, impotente. Tinha muitas coisas a dizer. E nenhuma, ao mesmo tempo. Forçou seu pensamento para chegar em Zero: "Me ajude a levantar... Preciso... Ir buscá-lo... Preciso... ajudá-lo... Nós... ainda precisamos... deter..." E o Mundo preteou num instante de desespero profundo.
- Que desperdício...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

... três palavras caladas... [New Edda Arch]


[New Edda Arch ~ texto 3,

para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]


Um pôr-do-sol com cor de madeira abatida... A muito custo, fizeram o rapaz sob aquelas roupas imundas parar. Sangue foi cuspido - também alguns dentes - palavrões e pescoções. Aquela rápida janela era tudo que tinham para alimentá-lo - um mínimo, que ele aceitou sem apetite - e empurrar-lhe água. Os jovens do destacamento impressionavam-se com o estado catatônico, enfraquecido, daquele homem que lutara contra a Shinra, que resistira ao ataque de Jenova. Os médicos que acompanhavam a expedição não tinham palavras para explicar como aquele homem resistira naquele processo de auto-flagelação. Agarraram-lhe à força, quando Ash tentara negar-se a receber tratamento. Subjugaram-no sob grosseiros protestos - mais bufos e uivos que palavras - e golpes, outra vez... e assim ele dormiu - a primeira vez em nove dias...

... até que enfim, as falanges, sem garras, cuja carne vive colava-se à malha pelo pús espesso, recebiam algum bálsamo e bandagens. Suas feridas foram lavadas por mãos esterilizadas em luvas bastante profissionais e neutras... A Shinra era agora sua enfermeira - mas ele não desejava ser seu paciente.

Fato é que não puderam detê-lo... Tão logo reganhou controle das pernas, afastou da mente o peso do sonífero, e lá estava ele, de pé, hora a hora, em claro, comendo só o que levassem à sua frente. Em meio a um batalhão de braços, pás, betoneiras e macacos hidráulicos, robôs de mineração e grandes máquinas, lá estava o Assassino. Lado a lado nos trabalhos mais difíceis, à frente dos mais perigosos. Mergulhando nas fendas instáveis para instalar as vigas de sustentação, para levar as cordas, para testar a segurança. Incansável. Cavando. Dia e noite. Obstinado. Retirando toneladas de ferro e cimento cada dia daquela enorme ferida que fôra Corel. E, como se transplantasse aquele entulho para dentro de si, cada ciclo de 24h achava-o mais encardido, mais sombrio, mais duro, mais exíguo de vida...

Acostumaram-se a vê-lo perder toda a sanidade e com um grito rouco, sem palavras, livrar-se daquela humanidade vilipendiada até restar tão só aquele monstruoso animal de olhos brilhantes e pêlo de noite eterna. Mas, apesar do aspecto medonho, não mais tremiam ao vê-lo, raspando concreto com a ponta dos ossos esfolados: aquela evocação das fábulas de infância mais terríveis tinha um coração - e esse seu coração estava se apagando em febres que nada tinham de homicidas. Podiam sentir sua dor, podiam ler no seu olho arregalado, a fúria inconsolável por não achar sob aquela placa que entortara até cortar os lábios, aquele a quem buscava... Ouviam-no no meio da madrugada, no trotar incansável de sua teimosa fé. Cheiravam-lhe os pêlos tostados nas brasas ainda vivas do ventre profundo daquela cidade morta.

E o que acharam após semanas de intenso esforço?... Duas pequenas amostras de que "ele" estivera realmente ali. Um recorte esgarçado de tecido, reconhecido pelo rosto transtornado de Ash, após farejá-lo até as lágrimas. Um pedaço de metal retorcido que fazia parte do coração ronronante de Fenrir, também atestado por ele - ele, que se afeiçoara tanto a ela. Rolou a peça muitas vezes pelas mãos, tocou com ela seu coração - o som do motor, a voz de Drako sentado à sua frente, os cabelos loiros jogados pelo vento contra a pele do seu rosto, risos, planos, palavras de cuidado - como se assim os dois órgãos pudessem trocar uma despedida. Deitou sua testa contra ela e a entregou.
Beijou a malha enegrecida que fôra vermelha. Sussurrou as únicas palavras que jamais falara em sua curta vida. Só três. Jamais lhe ocorrera resumir tudo aquilo numa frase - mas desta vez a voz lhe traíra, baixa e engasgada, rouca, sofrida. Não fôra premeditado. Sem a olhar solta ali, em sua palma, a entregou...

"Nenhum amuleto para que eu tenha um falso sossego", pensou. Só legou àquelas pessoas após ter ouvido delas a promessa jurada de que entregariam as duas relíquias à família de Drako. Sim. Àqueles que ele também abandonara. E pela primeira vez num mês, ele se atinou do que fizera. E de que estivera traindo o futuro que Drako lhe sonhara. A vida que teriam quando sua luta terminasse.

Problema que ela não havia terminado. Estava apenas começando...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

... carne e pó... [New Edda Arch]

[New Edda Arch ~ texto 2,
para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]


Tão logo acionou os motores da aircycle sangrou o céu no fio reto e agudo de um só golpe até Corel. O peito ainda estava incendiado. O ar ainda faltava. Mas nada o detinha. A pele branca manchava-se das cores de um poente doente. Ar rebocado de cinzas. "As cinzas de nossa Utopia..." ele pensou, amargo. Custou-lhe manter-se como homem e soldado: sem entregar-se à facilidade do choro.

Pústulas encandescidas abrindo-se na água salgada, revolta, abaixo. Navios vagando erraticamente, incediados pelos terrores que agora vagavam à vista de todos. Vieram, pensava ele, para limpá-los da superfície deste Mundo.

Ao longe avistou o túmulo fumegante do que fôra Corel...

No mesmo instante foi fulminado pela dor de todas as suas perdas. Aquele inferno de magma e chamas crepitantes, de gigantestos braços de fumaça erguendo-se ao céu, de imensas feridas rachadas no lombo do Mundo, é também, ao olhar trêmulo do Assassino, a férrea negação de um futuro. O futuro que tinham sonhado construir com seus sacrifícios...

Andar naquelas ruínas era por si só uma proeza. Gargantas de fogo e abalos. Calor e tanta fuligem no ar que empedrava-lhe os pulmões resistentes e o derrubava constantemente em tosses longas e asmáticas. Um chão sem nível e cheio de sumidouros, pontas, cravinas. Corpos. Não. Pedaços irreconhecíveis de corpos. Como papel rasgado, por toda a parte, inseparáveis do pó de cimento partido, das veias retorcidas de canos e fiação, das migalhas inúteis de tanta coisa que um dia tivera valor. E as recordações... Sim.... haviam armadilhas não só no chão onde pisava. Precisava conter as ondas insistentes de imagens que sua memória lhe trazia, como uma criança que não consegue impedir-se de abrir aquela velha caixinha de música - a que lhe dá nós no estômago - e que não consegue correr, ou tapar os ouvidos por mais que queira gritar...

Restou sozinho naquele império da destruição. Cercado de todas as provas de seu fracasso. Cercado de todos os pesadelos. Rondou. Horas. Dias. Sem dormir. Sem comer ou beber. Seu descanso era ajoelhar-se e baixar a cabeça, só para repassar onde já havia cavado ou o que poderia usar para erguer uma viga. Tinha dores que não sentia. Suas garras caíram em algum momento do quinto dia. Hora quase homem. Hora lobo. Sem trégua. Sem misericórdia com seu próprio corpo ou com o olho que por vezes embestava de vazar lágrimas mudas.

A boca lhe secara e feridas estriaram seus lábios finos, acinzentados. Seu olho se encovara na escuridão de um poço profundo. Sim, talvez realmente os olhos sejam o reflexo da alma... A pele enchera-se de escaras, queimaduras e insetos. E ele... ele escavava. Chamava. Farejava rastros inexistentes. Empilhava cadávares. Pedras. Pilares. Pequenos toquens que haviam pertencido a alguém: um ursinho, um pente quebrado, um balde de lata.

Seu vulto já mimetizara-se à paisagem em cores e texturas. Pior. Seu coração havia absorvido o abandono e o silêncio desolado e indissolúvel daquela gigantesca, hedionda sepultura.

Quando finalmente, na segunda semana, a robusta Airship da Shinra Corp aterrizou, o rapaz conhecido por Ash ganhara direito a este nome. Aquela figura imponente estava enterrada. Ao vento, diante de centenas de olhos, restava só aquela casca leve, suja e mutilada, de olhar baço...

... heranças em branco... [New Edda Arch]


[New Edda Arch ~ texto 1,

para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]



Na luz mortiça, fria, do hangar no alto do prédio da poderosa ShinraCorp, tudo o que lhe cruzava a alma eram sons, estilhaços de memórias terríveis, cores em flashes. Tudo se passara rápido demais para que ele pudesse arrazoar qualquer coisa - ele se mostrara péssimo de improviso.

Cortou-lhe a confusão aquele talhe vertical e branco, de alto a baixo: Zero. Ergueu seu único olho, como a Lua amarela que se levanta do horizonte e sobe - encontrou a face albina, emulando um rosto de criança aquele serzinho...
- Ninguém está te mandando embora...
- Eu não disse isso. - retrucou, rápido e ríspido como um de seus golpes.
- Não podemos combater aquelas coisas... ainda... precisamos ant-
- Não te pedi ajuda.
- Ora-
- Nem permissão.
- Que insolente de-
- Me mate, se quiser me deter.
- Está cometendo outro erro-
- Não tenho como saber. Quem pode garantir? Hein?! Eu não roubei a Huge de Drako e olha tu-... É meu livre arbítrio, minha escolha.

Passa como uma sombra ao largo do jovem que lhe cedeu seu DNA, ou parte dele. Mas daí a você chamá-lo de pai do homem que anda como uma fera, ah bem...
- Estamos ligados, mesmo que tu pense que pode ser livre, Sete.
- Não me disse nenhuma novidade... - replicou muitos passos à frente, correndo o olhar felino sobre cada veículo estacionado.

Qual deles serviria para sua busca? Que o deixassem simplesmente voar dali. Não pedia nada além. Esquadrinhar cada pedra de Corel. Rastreá-lo. Achá-lo. Dar-lhe socorro. Deuses! Tivera ganas de se atirar da Airship em pleno vôo, quando simplesmente o ignoraram e zuniram direto a Midgard. Ele estava atrasado, irremediavelmente atrasado!
- Te chamo pelo teu nome... Fenris' úlfr!

Uma palavra. Sussurrada às suas costas. Um baque tal como se tivesse lhe partido a espinha! - agarrou-se como pôde à couraça de metal reluzente ao lado, viu nela seu reflexo, a máscara de seu rosto distorcida num estado de absoluto pavor.

Todos os músculos do seu corpo se contraíram, se fechando contra seu centro num nó cego. Era como se lutassem contra algo que vinha explodindo de dentro, que iria rompê-lo em pedaços, um halo crescente de napalm, uma rajada de estilhaços, uma supernova. Aquela coisa o arrastara para o chão, estava se alastrando, estava escavando seu espírito, infiltrando-se em sua mente, infestando cada fibra de sua carne. O coração, sobrecarregado, falhava e num solavanco intenso e torturante, tornava a pulsar. Puxava com ódio e medo, arrasado em impotência e desconhecimento, a figura daquele garoto, aquele rosto tão apático, no fio de seu olhar, no feixe de sua pupila quase fechada.
- Ah... vejo que agora tenho a sua atenção... É o fato. Agora, acha que sabe quem é?... Pese isso. - olhou com um desprezo cruel e virou-se, abandonando-o num passo devagar, quase um deboche - Pense que isso é meu presente de despedida prá você... Poder. Descubra-o. Você nem sabe como lutar ainda... Não passa de um reles pobre coitado, que imagina-se como os outros criados naquele laboratório... Não me decepcione... ... ... Prove que é digno de ser... meu filho legítimo.

E finalmente, o olho de Ashrann não pode mais acompanhá-lo...

domingo, 16 de novembro de 2008

Onde posso descansar... É só o que quero...

Aqui escutando "While my guitar gently weeps" regravado pela banda Powderfinger, coleto meus pensamentos dos últimos meses... São demais, sabe, para colocar aqui, até mesmo aqui...

Minha vida tem sido a de um camaleão, constantemente mudando de ambientes e procurando adaptar-se. Mais que isso: sempre tentando atingir a perfeição. E como isso cansa... Não é fácil.

Mas, aí está o segredo, eu tenho parceiros de caminho. E por mais que eu ande por vales ou por montanhas, eu os levo. Aqui dentro. E quando a saudade aperta demais. Bem, eu sempre volto. E então é como um viajante que passou semanas no Saara, ser acolhido nas bençãos de um oásis, banhar-se, beber até saciar-se, ter seus pés untados de óleo perfumado, e ser vestido com roupas limpas por mãos carinhosas. Mais que isso: escutar aqueles risos que lhe enchem de alegria, aquelas vozes que falam fundo ao seu coração e onde ele sempre encontra o sentido de tudo.

É onde está a perfeição.

É uma perfeição assim, de um jeito bastante falho, mas é aquela que podemos reconhecer com todos os nossos falhos sentidos.

Ontem falei contigo.

Sinto ainda aquela ternura de lar.

É tudo que uma guerreira cansada poderia pedir.


Now playing: Staind - Believe
via FoxyTunes

domingo, 17 de agosto de 2008

Aqui vai (again)... Z me passou essa praga, de novo, com novas perguntas, (um alívio):

- Amaldiçoar 8 pessoas.
- Avisar aos amaldiçoados sobre a maldição.

1 - Qual a sua banda preferida? Quantos shows dela você já assistiu?
Detesto essa coisa de favoritos, porque geralmente tenho uma penca... Vai lá: Linkin Park, The Exies, Silver Chair, Fort Minor, Adema, Deftones, Pink Floyd, Red Hot Chilli Peppers, The Beatles... puta, uma caralhada... Depende o dia, a hora. Nunca fui a show de banda estrangeira.

2 - Quem é o seu autor favorito? Quantos livros dele você já leu?
Novamente. Vários. No Brasil tenho 2 preferidos: João Guimarães Rosa (3 livros) e Érico Veríssimo (tb lembro de 3 livros). Para literatura estrangeira: Shakespeare (eterno! hmmm acho que foram mais de 5), Jack London, Saramago, Ítalo Calvino, Stephen King (tb uns 4 livros, não sei mesmo), Marion Zimmer Bradley (mais de 6 com certeza), Umberto Eco (uns 5, contando ficção e ensaios sobre estética e literatura), Ernest Hemingway, Arthur Rimbaud (2 livros).

3 - Acredita em vida extraterrestre?
Acredito em se ocupar com o que temos aqui e parar de buscar desculpas para fugir às nossas responsabilidades... Nossa Gaia precisa de toda nossa atenção, não há porque gastar tanto dinheiro e esforço se temos nosso Planeta tão desconhecido e tão maravilhoso bem junto e muito necessitado de nosso empenho para restaurar o que nós lhe fizemos. É infantilice procurar fuga nas estrelas.

4 - Cerveja ou coca-cola?
Nenhum dos dois - suco ou sakê, vinho, espumante, etc. Se tiver mesmo que escolher: cerveja, bem gelada e bem forte - Bavaria, edição especial Confraria, adorei essa.

5 - Sexo ou amor?
... Ai que enjoado isso. Guardo amor, é a prioridade. Demorei a aprender, mas hoje não gasto mais meu tempo caçando, sei o que é realmente que fica, o que me faz falta. Não vivo sem as pessoas que amo, mas posso viver sem foda. Até porque existem muitos prazeres além da cama a dois... ^ ~

6 - Chão ou parede?
Na parede é uma delícia... oO#

7 - Som alto ou música ambiente?
Muito alto e muito intenso. Acho que por isso adoro ir a clubes com os amigos!

8 - Signo preferido (exceto o seu):
Câncer. Eu tenho uma terrível queda por pessoas deste signo... é paixão à primeira vista.

9 - Quantas pessoas já beijou?
Seria um número decepcionante. Digamos que menos das duas mãos cheias...

10 - Com quantas(o) namorou?
Se for a sério: 1 única, com quem vivi, tive um filho e me arrependi enormemente (não do filho, bagual!). Tive também dois "casos" depois de estar solteira de novo, mas não gosto de dizer "namoro". Não deram certo.

11 - E quantas(o) amou?
... Não só esses três... Amo muita gente e meu amor é um tanto exótico. Tem muito erotismo no meu amor, mesmo com amigos e familiares (exceto os de sangue próximo demais)... Também tive vários amores platônicos. Ainda tenho, hoje mesmo, no mínimo 3 amores platônicos fora minhas paixonites familiares...

12 - O que anda ouvindo?
Um monte de mp3s que a mana e o mano me passaram, mais The Exies e chegados, Nujabes (muito) e Fort Minor / Linkin Park.

13 - O que anda lendo?
Atualmente: "Chryst The Lord - Out of Egypt" da Anne Rice, edição pocket em inglês, recém comprada. É uma ficção sobre a vida de Cristo, sua infância. Também lendo vários gibis: Nana, Berserker, Hellsing, Bleach, Seton, One Piece, Stephen King's Dark Tower, Fábulas (Pixel). E tenho gostado do que leio em Piauí, National Geographic. Zupi - maravilhosa, sobre arte!

14 - O que anda comendo?
Comida congelada, porque volto tarde do trabalho. No almoço, em geral, comida vegetariana (na maioria) ou lanche rápido. Adoro quando me permito comer no Du'Attos em POA.

15 - O que anda assistindo?
As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy, Chowder. A Prova de Tudo, no Discovery. Filmes no HBO. Pânico, as vezes. Filmes redublados ma MTV. Adorava a série Em Terapia, mas terminou a temporada...

16 - O que anda fazendo?
Me estressando demais no trabalho. Pagando contas e mais contas. Escrevendo muito, experimentando estilos, efeitos, porque quero estar afiada para retomar meus projetos de livros.

17 - Ritmo, cor, fruta e bebida:
Ritmo: Intenso, vigoroso. Um bom rock, ou techno, ou hip-hop, ou jazz, ou ópera, ou sonata...
Cor: Negro, verde, vermelho.
Fruta: Amoras silvestres.
Bebida: Sakê de flores.

18 - Uma mulher, um homem e uma criança:
Minha mana. Meu mano. Meu filho.

19 - Lugar, época e saudade:
Lugar: Uma vila medieval, na Espanha, com direito a castelo. Uma floresta no Japão.
Época: O início do homem, quando ainda éramos um só com a Natureza, e ela era nosso Mundo. A honestidade e a simplicidade da Grécia Antiga. A fé e a honra do Homem Medieval. A rebeldia dos Românticos contra a Razão da Idade Moderna. O hoje, como lugar de luta e transformação, como um lugar de alternativas e oportunidades para uma mulher como eu, e de estrutura, para meu filho.
Saudade: Da minha infância, primos, brincadeiras, tanto verde e peraltices, sonhos, tantas coisas divididas e certezas, minha Vó cercada por suas filhas e netos nos Natais, nas Páscoas... Meus amados, cada vez que não os vejo. Minha gata siamesa.

20 - Com quantos anos você aprendeu a viver?
Acho que aprendemos continuamente. Dizer que já aprendeu a viver é dizer que está petrificado, que está morto de olhos abertos... Acho que aprendi sobre solidão e sofrimento com cerca de 4 anos. Sobre responsabilidade com 6 ou 7, cuidando meu mano. Sobre meu poder com palavras com uns 12 anos. Sobre decepção com amor com 15. Sobre os fogos da paixão aos 17. Sobre maternidade com 24. Sobre levar a sério os sonhos com 25. Sobre ter dignidade e exigir respeito aos 29. Sobre tocar minha vida como quero, só agora.

Amaldiçoados:
Hahaha, deixo que você mesmo escolha se quer essa maldição para você. Não esqueça de me avisar do seu questionário com um link no comentário.