sexta-feira, 2 de outubro de 2009

... subtextos a um simulacro...



Holy roller
It's your reality

I've seen the people that they've branded
They always come out open handed
(...)
Open your eyes
Push yourself inside
Contemplate all of your senses
Tell them what you want to lose
They'll just spit in your face
Push you back in your place
Concentrate all of your answers
Tell them what you think you know

(...)

Holy roller, it's your reality
Are you tied down and in locks?
Held up and face fact
Holy roller, it's your reality
Can you taste this, the spaces?
Erase the sexes
Have you seen what's inside your mind?
Have you been fucking your own kind?
Have you been writing on the wall?
Have you seen anything at all?

(...)

Under the sun
Under your self
Under the sightings of your side
Under your cross
Under the gun
Under the meaning of your life


[Occam's Razor, by 30 seconds to Mars]


Ela o tinha trazido... Agora, nesse instante, ele se perguntava, novamente, por que?...

O prédio tinha segurança reforçada... Seus próprios semelhantes... Mais o pessoal da ShinRa, de outras equipes... Detalhes de luxo... Elevadores com senhas para descer aos andares secretos... O charme acabava ali... Instalações com cheiro de formol, nitrogênio líquido e vidros estéreis... Odiava aquele lugar... Por que?...

Ela ia à frente, e ele buscou conter as ondas de náuseas ocupando-se de olhar seu traseiro rebolar provocativamente sob o vestido fino de seda. Era uma distração e tanto... O tendão do pulso direito saltou, retesado. Chamava combate. Onde?... Os olhos amarelados - ainda eram dois - deslizaram longamente, quase imperceptivelmente, vasculhando o espaço sem falhas... sem marcas... sem cores... só luzes fluorescentes, dissecativas, cegando... Piscou, notou que o suor descia pela inserção de sua orelha e lhe provocava um calafrio ao passar do pescoço à clavícula ossuda. Ela voltou-se por um segundo e encarou-o: - Ash?

Por que esse nome inventado?... Franziu a testa. Não gostava dessa aproximação. Não queria ser mais tentado do que já era. Tinha um código, um número, como todos os demais. Tinha uma reputação sob esse número. Orgulhava-se do seu desempenho como CANNIBAL, então por que diabos esse codinome estúpido inventado por um capricho dessa pequena e linda fêmea, lasciva, glamurosa, indecifrável, frágil e intocável?... Os lábios se espremeram e por fim, sem conter-se mais: - Às suas ordens, Srta. Lunia.
- Que bobagem... Já te disse que não gosto desses protocolos... Não entre nós. - virou-se e inseriu o cartão na fechadura eletrônica, digitou a senha, apoiou o dedo no painel luminoso. Houve um momento de silêncio e o bufar pesado dos pistões recolhendo as travas e depois movendo as pesadas portas blindadas. - Preciso falar com meu pai, e ele está se escondendo aqui, há dias... Então... Me desculpe por te trazer aqui.
- É meu trabalho, Srta. Lunia.
- Estúpido.

As pupilas fendaram-se e se puxaram a outro alvo, esquadrinhando o interior sussurrante de máquinas, canos e vozes contidas, fora do alcance de suas vistas, depois outra vez o corredor. Sua nuca arrepiou-se quando seus passos o levaram a segui-la para dentro. A porta expeliu vapores e deglutiu-os. Teve vontade de explodi-la e correr para fora, com toda agilidade que aguentasse. Focou-se na garota, outra vez. "Por que o medo?"

Ela se esgueirou sem pudor algum, deixou monitores para trás... provetas para trás... jaulas para trás... cientistas em branco com suas planilhas nervosas para trás... Computadores faiscantes com o rodar frenético de seus processadores, de seus discos rígidos, os terabytes, e aquele homem, debruçado sobre algum problema empírico, ou o que fôsse, amarelado, recurvo e autista... A mão dela, como uma borboleta, pairando de encontro àquele ombro: - Pai...?

O homem empertigou-se, quase num pulo, arrumou longe do rosto os cabelos desgrenhados, e seus olhos castanhos esbugalhados naquela face desvairada, alienada, paranóica, a escrutinavam. Até que pareceu reconhecê-la e houve um brilho de culpa, uma dor meteórica, um calar de tudo e a expressão, ainda que menos preocupante, da face envelhecida tornou-se sóbria e controlada... Uma chapa de aço: - Lunia, o que veio fazer aqui? - e num segundo instante de reconhecimento, uma fugaz contração de susto, o odor de medo, então de excitação e o sangue todo, a turbilhonar audivelmente pelo peito de panos brancos: - Trouxe seu segurança... Como está, P.A. número 7?
- Operante e atento, senhor.
- Que irritante! - repreendeu-o, e pisou-lhe na bota com o salto.
- ...
- Lunia, não quero esse comportamento. Já falamos sobre isso...
- Que bom que o senhor lembra que um dia conversamos... Não lê mais suas mensagens?!! Vim aqui para falar contigo, já que parece que o mundo, pelo senhor, poderia acabar, desde que essa merda de laboratório continuasse de pé!

Uma pontada, em algum canto baixo do cérebro. Um gosto acre na boca. Remexeu-se. Desconfortável. Olhou ao redor, dando privacidade à reunião de família que prosseguia às suas costas. O cheiro... O arrepio voltou, mais forte, tomou todo seu corpo. Deu-se conta que os dedos haviam gelado.
- Não posso falar disso com ele por aqui. - a frase do velho lhe pinçou a atenção, mas não moveu-se.
- Quero que desative tudo, dessa vez.
- Oras... não diga bobagens... você é uma mocinha... o que pensa que sabe sobre isso?
- Mais do que suporto!
- Quer que eu lhe ajude com isso?

Algo rompera-se, girou lentamente, leu nos olhos dela a decepção, o pavor, o asco: - Nunca me proponha isso. Nunca mais! Jamais, ouviu?!
- Não grite.
- No que você se tornou, pai??? Que diabos de pergunta foi aquela para ele? É o Ash!

O apelido, atirado contra o doutor, parecia ter bem mais força que uma bofetada. O rosto do homem empalideceu. Balbuciou alguma coisa, sem articulação. Encarou o jovem sem conseguir sustentar o olhar e puxou-a às pressas, aos solavancos, meio que cambaleando. Óbvio que Sete foi com eles: - Você não! - o homem gritou-lhe - Por ordem e protocolo de segurança! - espumava, sobrepondo palavras, gestos, enquanto ela se debatia e espiava ao seu guarda-costas um olhar cortante de rebeldia - conforme instruções para situação nível 0, lhe ordeno que se mantenha distante e aguarde!

Paralisou-se. A hierarquia havia sido confirmada. Lunia, mesmo que lhe pedisse, não tinha mando nessa situação. Amargo. Ficou vendo-a ser levada. Farfalhares estranhos em sua mente. Um sorriso luminoso de menina. Sapatos negros. Uma mão pequena entre seus dedos longos... Algo muito longínquo, baixo demais para ouvir., dentro de si mesmo. Piscou, verificou que sua mão estava vazia. Acordou para o entorno. Teve esgares de assalto, franzindo o nariz e bufando. "Esse inferno de laboratório!..." Um adejar de verde, repicou em sua pupila esquerda. Devagar, posicionou-se e capturou uma luz que vinha por detrás de painéis, por entre pilares por onde escalavam tubos coloridos. Verde... Os punhos cerraram-se violentamente até enbranquecer as juntas. "Aguarde."

Os minutos excruciantes pareciam arrancar-lhe pequenos pedaços de sanidade. A luz verde. O cheiro. Aqueles zunidos, tão familiares... Voltou-se ao som dos passos: era o doutor, bastante irritado, desalinhado. Sentou-se na banqueta, determinado, e no outro inspirar já tinha se prostrado, como se tivesse perdido todos os ossos do corpo: - Sete, a Srta. Lunia tem lhe sido inconveniente?
- Senhor, a Srta. Lunia faz parte de minhas incumbências e as cumpro sem julgamento.
- Vou formular de outro jeito: ela tem lhe provocado, tem abusado de você, tentado você a infringir sua postura profissional ou lhe falado coisas pessoais?
- Senhor, não tenho nada a reportar nesse sentido. - mentia feio, mas com convicção e isso pareceu aliviar por um segundo seu interrogador, mas logo reasseverou-se:
- Gosta de estar com ela?
- Senhor, é uma missão a qual me sinto honrado. - o que exatamente o velho esperava que ele dissesse?
- Perguntei se gosta.
- ...? Senhor, acompanho sua filha dentro dos protocolos exigidos de mim. - queria ouvir uma confissão, queria tentar incriminá-lo de algo, ou era só uma busca de elogio à filha?
- Gosta dela?
- Senhor, perdoe-me, minhas ordens são para manter distanciamento emocional de todos, inclusive de quem escolto.
- Ainda assim, gosta dela?!! - e os olhos do homem estavam agora congestionados e furiosos.
- Senhor... sinto decepcioná-lo... meu dever é protegê-la... não tenho intimidade com sua filha.

O grande gênio da ciência encolheu-se, escondendo a cabeça entre os joelhos. O assassino, diante dele, tentava compreender se algo de seu comportamento ou respostas poderia ser motivo de reclamação, se, desta vez, sua missão se transformaria em demérito. Ficou ali, mudo, aguardando. - Miserável! - foi o brado do pai antes de agarrá-lo com força de um pobre louco e jogá-lo contra o console para bater-lhe contra aquelas teclas e alavancas em sacudidas primais: - Por que isso?!! Por que?!! O que eu poderia te perguntar?!! O que mais poderia querer de você?!! Pedaço de carne desgraçada!!! Animal!!! Maldito seja, volta e volta e olhe só você!!! Olhe só... - claro que ele poderia ter se desvencilhado, ou ter evitado a queda, ou ter aparado os golpes, mas os protocolos todos o senteciavam a submeter-se ao humano, mais fraco - Olhe só... - repetiu-se, parando, ao vislumbrar o jovem apaticamente deitado sobre aquele aparato. O uniforme negro talhado como um terno caro, perfeito. A tatuagem de marcação em ambas têmporas, levemente visível entre os fios longos, soltos.
Puxou com ambas as mãos o rosto emaciado e adoentado, talvez quisesse arrancar de si aquela máscara, ou abrir-se em carne viva. Parecia agora culpar-se arrasadoramente pelo seu comportamento...

... "Típico..." quem sabe? Homens que se achavam tão intelectuais e avançados odiavam se deixar levar pela besta interior, coisa de gente involuída. De escória, como ele era, para aqueles humanos... Continuou esperando a reação do cientista, a defesa aberta, os olhos baixos de cão adestrado. Mas nenhum outro movimento de agressão veio. Cuspiram-se palavras, num tom mortiço e rude: - Caia fora daqui, está oficialmente dispensado. Volte imediatamente ao seu QG, já reportei o cancelamento de sua missão. Nos deixe em paz...

Ergueu-se: - Senhor, sim, senhor. - e foi-se, sem ironia ou tristeza, sem desrespeito ou contestação.

Os olhos do homem marejaram e sua alma quebrou-se sem solução... Dizem que, anos depois, quando ele morreu subitamente, no meio das turbulências da aparição dos Weapons, ele era nada mais que uma casca vazia...

Já havia morrido muito antes.



[The Slave with a Key - parte 8]

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