domingo, 7 de dezembro de 2008

... não planeje...

É estranho como o destino nos pega... Traiçoeiro, surpreendente. Injustificável... Ah, sim, eu entendo você, mas espere: eu também acredito em livre-arbítrio. Não imagino que haja um roteiro escrito desde o nosso nascimento até a morte - não torça as minhas palavras, espere um tanto mais...

Temos opções e as fazemos. Buscamos até mesmo projetar nosso futuro. Temos essa ilusão: de que agindo com coerência dentro de um plano, atingiremos nossa meta... Não é assim?... Mas, e quantas vezes, apesar de você ter feito isso, não chegou lá?... Hm?

Aí que está... O pulo do gato. Temos escolhas e pagamos por elas, mas, há algo além: nem sempre o resultado depende só de nosso esforço... Certo?... O resultado também depende de fatores que não podemos controlar e até, ouso mais, que não conhecemos... Não adianta um só jogador num time de 11 estar dentro do jogo prá vencer, hm?...

A vida me parece assim... E olhando daqui, o desenrolar da sina desse jovem de raça artificial, Ash, ou Sete, ou Fenirs'úlfr, como queira, eu vejo que ele também se confunde... A cabeça dele, já pesada, gira e gira e acaba tendo de largar esse assunto, porque há coisas demais urgentes para sua atenção, nesse momento.

O Mundo está decadente... Ok... Sempre esteve, hm? É, eu tenho essa percepção, talvez não seja a sua. Mas agora, esta é a verdade. Há uma razão. Chama-se Kuroi. Muitos querem para si a culpa. Muitos querem para si a solução. Mas... podem eles trabalhar unindo suas sinas para ganhar esta partida?...

Enquanto isso não ocorre, algo incomum atormenta esse ser de pele branca como porcelana, uma pele cujo toque mal parece humano... O olhar dele, ímpar, pousa e pula, da figura dela, à qualquer outra coisa, e de novo, volta, como magnetizado, para a mesma armadilha. Ela parece demais com aquele a quem ele busca. Aquele a quem jurou a maior de todas as lealdades. Empenhou bem mais que um contrato, honra ou belas palavras...

É... Você entende, não? Como é fácil para ele, só, meio insano até, alguns diriam, fraco de fome, de sede, de doença e cansaço, atormentado por uma culpa tão pesada quanto a morte de um inocente e o fim de tantos povos, atormentado por achar-se o furo na malha forte que era seu grupo, que iria salvar o Futuro... Um deslize na direção da gravidade - ela, emulando o loiro ausente em todas as partes, menos dentro dele...

Bem que ele luta contra esse engano... Mas, veja: há escolhas que não podemos fazer, que não temos o direito ou o poder de fazer - são as escolhas dos outros... E algumas vezes... é... algumas vezes, nós somos o predicado dessas opções... O alvo.

Esquivou-se dela e enlaçou-a, ao mesmo tempo - em tempos intercalados como num tango. Forçou-se a resistir quando em tantos instantes seu peito gritara-lhe: dê-me só um minuto de prazer, basta que seja como sempre foi - impulsivo e agressivo - beije-a, abrace-a, durma entre os cabelos dela...

Como um bom espartano: não. Ele manteve-se firme e estóico. Do mesmo, era só fraqueza pelo desespero de tudo. Não era? Havia algo sério e urgente nas mãos dele para cuidar e ele jamais se daria a qualquer luxo antes de ter cumprido o que seu sangue lhe pedia, desde o centro mais íntimo de sua essência.

Ele o achara. Insistira. Trouxera ajuda. E haviam conseguido: Drako estava vivo e entre eles.

O Gran Finale, porém, não chegou da forma coerente que o ex-Cannibal imaginava. Hah! Cá estamos de novo: a grande e imprevisível Roda da Fortuna, que gira conforme os passos de toda uma massa de gentes. Seus mecanismos incessantes trabalharam para que os dois se afastassem naquele momento mais crucial. E para que aquela mulher, Amber, se deparasse com ele quando ele caía...

Ash estava preso naquele olhar, naquela voz caudalosa, a sobrancelha enviesada. E os braços, sim, aqueles braços que o cercavam e o acolhiam, como uma bandagem leve sobre sua carne viva. Ela, que há um dia atrás quisera despejar-lhe o sangue no gelo branco... E ele continuava dando-lhe razão: ela deveria ainda vê-lo como seu inimigo... Pois ele, bem, ele não sabia lidar com sentimentos, não sabia tratar pessoas, muito menos contentar mulheres... Ele pretendia dar sua vida por aquele outro jovem, e não gostaria de ver alguém sofrer com este resultado...

E ainda assim... Enquanto ela o abraçava, ele sentiu-se protegido e nulo, pôde fechar os olhos e ceder seu corpo... Naquele momento singelo, Ash, um dia o assassino mais quotado entre os Cannibals, fôra somente uma alma solitária, frágil, à mercê da indulgência tão doce dela... Nada de grandes objetivos, abnegação, ou treinamentos e armas... Só aquela sensação de aconchego... Somente a vertigem de se sentir a salvo, de poder confessar-se pequeno diante do Todo, indefeso perante o Todo sem angústia...

Amber... como um cantil de água fresca... Acha que ele poderia bebê-la assim?...

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