quinta-feira, 20 de novembro de 2008

... carne e pó... [New Edda Arch]

[New Edda Arch ~ texto 2,
para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]


Tão logo acionou os motores da aircycle sangrou o céu no fio reto e agudo de um só golpe até Corel. O peito ainda estava incendiado. O ar ainda faltava. Mas nada o detinha. A pele branca manchava-se das cores de um poente doente. Ar rebocado de cinzas. "As cinzas de nossa Utopia..." ele pensou, amargo. Custou-lhe manter-se como homem e soldado: sem entregar-se à facilidade do choro.

Pústulas encandescidas abrindo-se na água salgada, revolta, abaixo. Navios vagando erraticamente, incediados pelos terrores que agora vagavam à vista de todos. Vieram, pensava ele, para limpá-los da superfície deste Mundo.

Ao longe avistou o túmulo fumegante do que fôra Corel...

No mesmo instante foi fulminado pela dor de todas as suas perdas. Aquele inferno de magma e chamas crepitantes, de gigantestos braços de fumaça erguendo-se ao céu, de imensas feridas rachadas no lombo do Mundo, é também, ao olhar trêmulo do Assassino, a férrea negação de um futuro. O futuro que tinham sonhado construir com seus sacrifícios...

Andar naquelas ruínas era por si só uma proeza. Gargantas de fogo e abalos. Calor e tanta fuligem no ar que empedrava-lhe os pulmões resistentes e o derrubava constantemente em tosses longas e asmáticas. Um chão sem nível e cheio de sumidouros, pontas, cravinas. Corpos. Não. Pedaços irreconhecíveis de corpos. Como papel rasgado, por toda a parte, inseparáveis do pó de cimento partido, das veias retorcidas de canos e fiação, das migalhas inúteis de tanta coisa que um dia tivera valor. E as recordações... Sim.... haviam armadilhas não só no chão onde pisava. Precisava conter as ondas insistentes de imagens que sua memória lhe trazia, como uma criança que não consegue impedir-se de abrir aquela velha caixinha de música - a que lhe dá nós no estômago - e que não consegue correr, ou tapar os ouvidos por mais que queira gritar...

Restou sozinho naquele império da destruição. Cercado de todas as provas de seu fracasso. Cercado de todos os pesadelos. Rondou. Horas. Dias. Sem dormir. Sem comer ou beber. Seu descanso era ajoelhar-se e baixar a cabeça, só para repassar onde já havia cavado ou o que poderia usar para erguer uma viga. Tinha dores que não sentia. Suas garras caíram em algum momento do quinto dia. Hora quase homem. Hora lobo. Sem trégua. Sem misericórdia com seu próprio corpo ou com o olho que por vezes embestava de vazar lágrimas mudas.

A boca lhe secara e feridas estriaram seus lábios finos, acinzentados. Seu olho se encovara na escuridão de um poço profundo. Sim, talvez realmente os olhos sejam o reflexo da alma... A pele enchera-se de escaras, queimaduras e insetos. E ele... ele escavava. Chamava. Farejava rastros inexistentes. Empilhava cadávares. Pedras. Pilares. Pequenos toquens que haviam pertencido a alguém: um ursinho, um pente quebrado, um balde de lata.

Seu vulto já mimetizara-se à paisagem em cores e texturas. Pior. Seu coração havia absorvido o abandono e o silêncio desolado e indissolúvel daquela gigantesca, hedionda sepultura.

Quando finalmente, na segunda semana, a robusta Airship da Shinra Corp aterrizou, o rapaz conhecido por Ash ganhara direito a este nome. Aquela figura imponente estava enterrada. Ao vento, diante de centenas de olhos, restava só aquela casca leve, suja e mutilada, de olhar baço...

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