sexta-feira, 21 de novembro de 2008

... três palavras caladas... [New Edda Arch]


[New Edda Arch ~ texto 3,

para acompanhar o arco, ler tb
> http://ashrann.blogspot.com/]


Um pôr-do-sol com cor de madeira abatida... A muito custo, fizeram o rapaz sob aquelas roupas imundas parar. Sangue foi cuspido - também alguns dentes - palavrões e pescoções. Aquela rápida janela era tudo que tinham para alimentá-lo - um mínimo, que ele aceitou sem apetite - e empurrar-lhe água. Os jovens do destacamento impressionavam-se com o estado catatônico, enfraquecido, daquele homem que lutara contra a Shinra, que resistira ao ataque de Jenova. Os médicos que acompanhavam a expedição não tinham palavras para explicar como aquele homem resistira naquele processo de auto-flagelação. Agarraram-lhe à força, quando Ash tentara negar-se a receber tratamento. Subjugaram-no sob grosseiros protestos - mais bufos e uivos que palavras - e golpes, outra vez... e assim ele dormiu - a primeira vez em nove dias...

... até que enfim, as falanges, sem garras, cuja carne vive colava-se à malha pelo pús espesso, recebiam algum bálsamo e bandagens. Suas feridas foram lavadas por mãos esterilizadas em luvas bastante profissionais e neutras... A Shinra era agora sua enfermeira - mas ele não desejava ser seu paciente.

Fato é que não puderam detê-lo... Tão logo reganhou controle das pernas, afastou da mente o peso do sonífero, e lá estava ele, de pé, hora a hora, em claro, comendo só o que levassem à sua frente. Em meio a um batalhão de braços, pás, betoneiras e macacos hidráulicos, robôs de mineração e grandes máquinas, lá estava o Assassino. Lado a lado nos trabalhos mais difíceis, à frente dos mais perigosos. Mergulhando nas fendas instáveis para instalar as vigas de sustentação, para levar as cordas, para testar a segurança. Incansável. Cavando. Dia e noite. Obstinado. Retirando toneladas de ferro e cimento cada dia daquela enorme ferida que fôra Corel. E, como se transplantasse aquele entulho para dentro de si, cada ciclo de 24h achava-o mais encardido, mais sombrio, mais duro, mais exíguo de vida...

Acostumaram-se a vê-lo perder toda a sanidade e com um grito rouco, sem palavras, livrar-se daquela humanidade vilipendiada até restar tão só aquele monstruoso animal de olhos brilhantes e pêlo de noite eterna. Mas, apesar do aspecto medonho, não mais tremiam ao vê-lo, raspando concreto com a ponta dos ossos esfolados: aquela evocação das fábulas de infância mais terríveis tinha um coração - e esse seu coração estava se apagando em febres que nada tinham de homicidas. Podiam sentir sua dor, podiam ler no seu olho arregalado, a fúria inconsolável por não achar sob aquela placa que entortara até cortar os lábios, aquele a quem buscava... Ouviam-no no meio da madrugada, no trotar incansável de sua teimosa fé. Cheiravam-lhe os pêlos tostados nas brasas ainda vivas do ventre profundo daquela cidade morta.

E o que acharam após semanas de intenso esforço?... Duas pequenas amostras de que "ele" estivera realmente ali. Um recorte esgarçado de tecido, reconhecido pelo rosto transtornado de Ash, após farejá-lo até as lágrimas. Um pedaço de metal retorcido que fazia parte do coração ronronante de Fenrir, também atestado por ele - ele, que se afeiçoara tanto a ela. Rolou a peça muitas vezes pelas mãos, tocou com ela seu coração - o som do motor, a voz de Drako sentado à sua frente, os cabelos loiros jogados pelo vento contra a pele do seu rosto, risos, planos, palavras de cuidado - como se assim os dois órgãos pudessem trocar uma despedida. Deitou sua testa contra ela e a entregou.
Beijou a malha enegrecida que fôra vermelha. Sussurrou as únicas palavras que jamais falara em sua curta vida. Só três. Jamais lhe ocorrera resumir tudo aquilo numa frase - mas desta vez a voz lhe traíra, baixa e engasgada, rouca, sofrida. Não fôra premeditado. Sem a olhar solta ali, em sua palma, a entregou...

"Nenhum amuleto para que eu tenha um falso sossego", pensou. Só legou àquelas pessoas após ter ouvido delas a promessa jurada de que entregariam as duas relíquias à família de Drako. Sim. Àqueles que ele também abandonara. E pela primeira vez num mês, ele se atinou do que fizera. E de que estivera traindo o futuro que Drako lhe sonhara. A vida que teriam quando sua luta terminasse.

Problema que ela não havia terminado. Estava apenas começando...

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