sábado, 29 de novembro de 2008

... pérolas em minha carne, pérolas ...

[New Edda Arch ~ texto 11,
para acompanhar o arco, ler tb
Lêra a carta com cuidado... Estava fraco e tão logo terminou seus dedos se ferraram em torno dela e seu corpo todo encolheu-se, se fechando como uma concha sobre aquele papel. Uma ostra encerrando em si a causa de sua ferida.
Chorou. Um pranto terrível, porque forte demais para ser contido atrás dos dentes ou morto em sua garganta seca. Um choro que saía em urros, uivos de dor, cuspes e ranger de dentes...
Retomou o fôlego. Abriu-a outra vez e releu-a. Devagar, sem devorá-la, dessa vez, nos ímpetos da saudade. No fremir daquele amor - paterno - que ele desconhecera. Uma ruga vincou a testa reta, bem entre as sobrancelhas de pêlos longos: preocupado. Sim... a grande distância que o separava deles... nela ele sentia a sua impotência em defendê-los. O fel que o matava e o dividia... Não estar com nem eles... nem com ele... Não ser o suficiente para protegê-los... a todos... sempre...
Fazia meses que não se animava a quebrar o silêncio de suas horas solitárias. Frases... só as trocava com aquelas pessoas desconhecidas e desamparadas, como ele, sempre as mesmas perguntas, sobre Drako, sempre as mesmas respostas... poeira... e vácuo... Mas aquele pequeno pedaço de linhas escritas... aquele retalho da alma de seu filho... aquilo tirou-o com um soco de sua mudez.
Talvez não tenha dito tudo que havia a ser dito - e quem o faz?... Talvez nem sequer tudo o que desejava dizer - mas você consegue? Mesmo assim, cedeu, lutou contra a paralisia, e respondeu - um pobre bilhete aleijado - mas antes isso, antes ter emprestado voz a seus pensamentos, do que ter calado, do que tê-lo deixado desamparado, sem saber se suas palavras haviam sido lidas. E como o foram...
Não se engane. Não deixe que seus olhos o iludam: seu espírito está mais doente, bem mais doente, que o corpo magro, que os olhos tão mais empoçados em olheiras, deixam perceber. O andar perdeu a leveza. Os gestos perderam a agilidade. A postura, encurvada, como um pinheiro que cresce fustigado pelo vento. E ainda assim, ele se ergue. De novo. Abandona a caverna que congelou seus ossos a noite a fio. Banha-lhe o sarcasmo de um nascente fosco.
Ele sonda o céu. Seu pensamento acolhe a trilha enquanto procura o Astro dourado. Informaram-lhe que milhas avante, em direção ao deserto gelado de Golden Saucer, há um povoado. Gente que se infiltrou nas rochas do sólo. Sobreviventes. Então, era hora de partir.
"O Sol... também perdi-me dele..."
Baixou o olhar e endureceu o queixo.
Calcou o pé nos pedregulhos. Suas passadas lentas ressoam na vastidão. Solitárias...
Ressoam, acompanhando outro ritmo.
O ritmo de seu coração... abalroado... quase à deriva... mas insistente... insistente... porque seu capitão não se permite naufragar...

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